às mães exaustas

deitei na cama depois de ter tomado café da manhã e comecei a chorar. as costas doem. desde a cintura até o pescoço. as noites de sono são insuficientes. não que eu durma poucas horas. é que as horas que eu durmo não são tão poderosas a ponto de fazer o cansaço passar.

"você vai estourar" minha filha tem dito há dias. há quatro meses trabalho todos os dias. e agora começou a ficar insuportável. a dor nas costas me faz sofrer. então eu deitei e chorei. e relaxei com as costas doloridas. 

na última semana eu tenho revivido os anos em que meus filhos eram pequenos. e tenho chorado. um, por lembrar como tive força e coragem e perceber que sobrevivi. dois, porque estou passando por isso de novo e vem tudo, as lembranças a exaustão o medo as fantasias.

quando mudei meu estado civil de casada-infeliz-com-falta-de-ar para divorciada-vamos-ver-o-que-vai-acontecer, eu só estava me separando de um marido. não estava me separando dos meus filhos. 


esperando o táxi pro aeroporto pra ir pro Sul

eu às vezes me sinto uma bruxa. e uma desvairada. por que dizer que estou cansada e sentar e chorar? se todas as mulheres que têm filhos no mundo criam os seus, por que eu acho que não conseguirei criar os meus próprios? por que achar ruim ter de trabalhar tanto para dar conta de criá-los sozinha se eles têm saúde e eu tenho uma gigantesca alegria por ser mãe?

a cirurgia que meu filho fez foi pequena. uma hora e meia. joelho direito. o médico tirou um pedaço de um tendão para colocar no lugar onde um ligamento havia arrebentado durante uma partida de futebol. eu o deixei no hospital às 5h. fizemos a internação - leia: ele assinou inúmeras folhas de papel - e às 6h eu estava dando tchau e pegando um táxi pra voltar pra casa. pouco antes das 9h o médico me ligou, mas eu não vi porque estava estendendo roupas entre uma reunião e outra. a cirurgia havia ocorrido muito bem, me escreveu. se quiser pode me ligar. 

eu não queria ligar, saber que estava tudo bem era o suficiente. eu tinha sete reuniões. uma depois da outra, com uma hora de intervalo para cozinhar comer lavar escovar os dentes e voltar pra frente do computador.

no fim da tarde, fomos, a namorada do meu filho e eu, mais o pai dela e o irmão, buscar meu filho no hospital. eu sempre tenho por perto pessoas que me ajudam. mas quando chegamos em casa, não tinha ninguém para ajudar. cozinhei o jantar e fui a duas farmácias comprar o coquetel de remédios pós cirurgia. fomos dormir. meu filho chapado, e eu cansada. 

a semana seguiu assim. ora os pés doendo. ora a minha cabeça. ora o meu coração. depois de uma reação à anestesia, uma ida ao pronto atendimento, tudo foi ficando melhor - porque nem dava pra piorar.


zé rico e milionário - as muletas do meu filho

vi uma senhora na cadeira de rodas com dor nos ossos. o marido parecia ter uns 20 anos menos que ela. mas só parecia. claro que não era. ela tem metástase óssea e grita de dor, disse ele à enfermeira. eu fiquei escutando aquilo e pensando em como era uma bobagem eu me cansar por limpar o vômito de um filho que estava tendo uma reação que só um por cento das pessoas tem. 

mas olhar o sofrimento dos outros não acaba com o nosso próprio. só ameniza. 

eu fiquei pensando em como deveria ser proibido ser mãe sozinha. sim, eu sei que é uma ideia idiota porque isso é impossível. como proibir numa sociedade a existência de mães que criam filhos sem maridos ou pais dos filhos? 

mas podia haver benefícios para mães assim. eu nunca consegui um centavo de desconto em escola por ser mãe sozinha. mesmo entregando comprovantes de não recebimento de pensão de alimentos. mesmo comprovando que estava sem trabalho. conseguia descontos pífios por estar em uma situação financeira adversa. mas o fato de ter só uma pessoa com renda na casa não é um item a ser considerado nessas circunstâncias - e em nenhuma outra. 

na verdade isso parece um assunto tabu em um país de mulheres e homens machistas. uma vez eu vi uma loja que fabricava bolsas para bicicletas que dava desconto para mães solteiras. o que me levou a oferecer desconto para mães solteiras quando dou cursos de mindfulness para grupos. 

eu sempre acho que escrever sobre isso pode ser chato ou ser coisa de uma pessoa que tem mania de reclamar. e por vezes fico com pena de mim mesma e, pior, temo fazer as pessoas terem pena de mim. mas a cereja do bolo desse lamaçal é quando acho que se estou nesta situação é porque fiz uma escolha. 


sem lama, não há lótus


mas não é assim. tirando as mulheres que são mães e solteiras por opção, como minha amiga J, não fazemos uma escolha de criar filhos sozinhas. fazemos a opção de mudar de estado civil. o que não tem nada, absolutamente nada, a ver com maternidade. nem paternidade. normalmente um filho tem um pai e uma mãe. 

curiosamente, no Brasil, não existe uma lei que obrigue um pai a nada com o seu filho. só a pagar pensão de alimentos - caso a mãe tenha dinheiro para pagar um advogado e cobrar a pensão toda vez que o pai deixar de pagar.

eu acho tudo isso muito chato. mas hoje meu cansaço foi maior, e por isso eu escrevi esta ode às mães exaustas. odes são alegres. e esta era pra ser também. e acho que é. sempre tem uma alegria escondida na tristeza. não estamos sozinhas.

e aqui o meu muito obrigada às mulheres e homens adoráveis que estão sempre por perto e cujas mãos eu posso sempre segurar para ajudar a cruzar os trechos mais difíceis. mesmo às vezes sendo impossível pedir ajuda.   

e como diz meu mestre: "a gente tem o que a gente precisa. porque é isso o que vai fazer a gente crescer". 


perto de Ijuí, interior do RS, onde o Nonno morou na infância

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