ogrices

a gente não se fala regularmente. mas ela é a única pessoa da família do pai dos meus filhos com quem mantenho contato. manter contato seria relegar nossos encontros a meras formalidades. e isso seria mentira. mas temos em comum uma sogra, já que ela foi casada com um dos irmãos do meu ex-marido.
mais de uma década se passou, e sempre temos o telefone da outra para mui esporádicos telefonemas e mui alegres encontros.
a lana me ligou um ou dois dias depois do dia das mães. demos risada ao telefone. ela ligava para dizer que a casa nova já tem telefone, e queria me passar o número. e conversando sobre os filhos, viagens e tals ela me conta que ficou muito brava com o pedro, que não tinha dado nada de presente de dia das mães para ela.
a enquadrada foi curta e grossa: ela disse a ele que ele devia dar conta de dar um presente, um botão de rosa que fosse, em algumas datas especiais para ela, como aniversário e dia das mães. podia guardar algum dinheiro pra isso, ou comprar algo barato, mas tinha de dar ALGO. "se não você vai ser um ogro como o seu pai."
eu invejo as pessoas que conseguem ser diretas, e que falam quase com doçura coisas que eu faria um escândalo para dizer.
sem mais.
...
eu estava em estado de fúria. o joão tinha esquecido que aquele era o único dia da semana em que ele ia de perua para a escola. desceu e esperou a carona na calçada, como nos outros quatro dias da semana, até o porteiro perceber e dizer que a perua já tinha passado, e isso fazia quase meia hora.
fomos criados e criamos nossos filhos com níveis surreais de exigência. e eu, também uma mãe que não dá conta de criar seus filhos sem espanar, fiquei com muita raiva.
o guri ficou na calçada, e eu saí andando, em direção ao metrô. ele queria saber pra onde eu estava indo, "você vai pro escritório, mãe?". não, eu ia pro centro da cidade, ficar plantada numa fila do procon, para exercer minha cidadania e ensinar a samsung a tratar consumidores como gente, e gente idônea.
fui andando até a estação, o que leva uns minutos, e peguei o primeiro trem. adoro andar de metrô em são paulo, porque me divirto olhando pessoas lindas e horrorosas, pessoas muito velhas e outras jovens, gente com cara de louca e gente com cara de tédio.
mas quando fui pegar o segundo trem, me dei conta rapidamente de que a minha raiva em relação à perua era ridícula. porque existem os problemas reais e os problemas imaginários. e pegar o trem na estação da sé às 7h30 é uma experiência nojenta, desumana e bizarra. mas o meu filho perder a perua é só o meu filho perder a perua.
o trem que parou quando eu estava esperando na plataforma lotou antes que eu pudesse entrar. e mesmo assim CINCO pessoas chegaram e se enfiaram feito minhocas se enterrando na terra trem adentro. o trem demorou muito mais que o normal para partir, e a plataforma foi ficando cheia cheia e mais cheia ainda.
uma garota de cabelos alisados e um batom rosa 'cheguei' olhava para mim e dava uma risada cuja legenda era "putz que gente louca de entrar assim no trem". era um alívio ter alguém para olhar naquela hora de pobreza de transporte público de uma cidade tão podre de rica e tão podre de burra.
quando o próximo trem chegou e as portas se abriram, fui arremessada pro outro lado do trem, a duas ou três pessoas da outra porta. não éramos sardinhas em lata porque sardinhas em lata têm mais espaço do que tínhamos. eu estava furiosa novamente, mas pelo menos achava que dessa vez minha fúria era provocada por algo mais concetro.
duas estações depois, consigo sair pela porta oposta indo feito minhoca pela terra, mas uma minhoca forte e louca. é preciso passar por muitas pessoas tentando não esquecer da gentileza, e quando pisei na plataforma novamente fiquei olhando pra ver se eu estava inteira, com minha bolsa, outra bolsa com jornais, óculos de sol e minhas roupas. sim, eu havia sido expelida do trem e estava inteira.
meu exercício da cidadania foi suave depois dos meus momentos de fúria. eu sei que 99% dos  momentos de fúria são idiotas. eu me sinto uma idiota. mas pratico muita meditação para mudar isso, e deixar a fúria de lado.
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