a roupa azul, o mantra, os anjos

- você quer que eu vá? - perguntei.
- não precisa.
...
- só se você quiser - ele completou.
...
- queria que você estivesse aqui quando acabar a cirurgia.
...
eu já estava chorando. primeiro ele me mandou uma mensagem dizendo que estava com muita dor. na hora eu liguei pra ele. ele chorava um pouco e reclamava da dor e ficava em silêncio. disse a ele para pedir ajuda pra madrasta ou pra santa neide. mas ele disse que não conseguia sair da cama.
liguei pro pai dele. pedi que o levasse ao médico. 
depois ele me mandou uma mensagem dizendo que a madrasta já tinha dado um remédio pra dor e que eles estavam indo pro hospital.
fiquei aliviada e fui almoçar. e então ele me mandou uma mensagem dizendo que ia ter de operar.
eu já tinha ligado para o meu médico, e já sabia que isso podia acontecer. e então foi uma sucessão de telefonemas e mensagens. eu chorava e desliguei a máquina e fui embora do escritório chorando muito. avisei a adriana, que senta ao meu lado e que via minhas lágrimas jorrando. e avisei a pamela, na frente de quem eu tinha de passar para chegar ao elevador e ir pro estacionamento.
quando entrei no carro, só lembro de uma frase que eu pensei ou falei ou gritei: "eu não quero mais fazer as coisas sozinha".
cheguei em casa bem atrapalhada, e a minha filha ficou muito espantada ao me ver passar pela porta. "mããããããe, você aqui?" disse pra ela que o joão teria de passar por uma cirurgia de emergência (a palavra horrível é essa, e-m-e-r-g-ê--n-c-i-a). ela me olhou e perguntou se ele ia ficar bem. sim, claro, respondi.
e em poucos minutos, soquei numa mochila roupas para dois dias, algumas coisas para tomar banho, liguei pra uma amiga vir buscar a minha filha e ficar com ela até eu voltar. falei algumas coisas pra santa nalva, entrei no carro, liguei o waze pra saber como chegar ao hospital em campinas, e fui dirigindo e chorando e gritando de raiva.
eu sabia que se seguisse chorando daquele jeito seria muito duro dirigir os 100 km que separavam a minha casa do hospital onde o joão seria operado. e então comecei a falar um mantra que eu não costumo recitar, e fui rezando pela estrada. liguei a música mas ela me atrapalhava, e então rezei por quase duas horas o mesmo mantra, até chegar ao hospital, quando eu estava quase dançando dentro do carro.
a cirurgia do joão começou e terminou enquanto eu estava dirigindo. quando cheguei à portaria do hospital, onde estava o pai do meu filho, o piccolino já estava na sala de recuperação. logo depois nos chamaram, e depois de um rolê pelos corredores conseguimos encontrar a sala de pós operatório. 

a roupa azul. só consegui tirar a foto porque tinha acabado de passar meia hora com o meu filho.

coloquei uma roupa de hospital por cima da roupa que eu estava vestindo, mais sapatinhos de hospital sobre as minhas botas, mais touca no cabelo, e consegui entrar na sala onde estava o joão e mais uns oito pacientes, todos mais velhos e visivelmente em situação mais crítica que a do meu filho.
ele logo abriu os olhos e eu fiquei feliz. muito feliz. o guri estava lá, meio grog da anestesia geral. e me contou como tinha sido ficar com dor, e como tinha sido chegar ao hospital com a madrasta, e eu perguntei se ele tinha rezado o mantra que eu ensinei, e ele disse mãe não dava tempo, tinha sido tudo muito rápido. antes de ser anestesiado, ele me mandou a seguinte mensagem: "torça por mim".
ai como é bom ficar perto dos filhos. e como é enlouquecedor não estar perto deles. e é por isso que eu tenho escrito tão pouco. porque eu aguento viver longe do meu filho, mas eu não aguento escrever sobre isso.

joão faz cara de feliz no quarto do hospital. ele é muito mais forte do que eu imaginava.

a alta. 

a verdade é que filho ninguém cria sozinho. porque filhos são criados pelo pai, pela mãe e por muitos e muitos anjos que nos rodeiam todos os dias, mas que nem sempre a gente vê. os anjos desta vez são a gabriela, a evelin, o luis fernando, a dorianna, e o maurício, o adriano e o osvaldo. esses são os anjos cujos nomes eu sei. tem os anjos cujos nomes eu desconheço, e esses foram importantes também. 

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