surtando

os dias vão passando e eu vou fazendo de conta que não preciso escrever. vou colecionando pedacinhos de papel - uma folha A4 cortada ao meio, uma folha do bloco de algum amigo, um post it pequeno, um post it grande, uma folha colorida de um bloco infantil. vou anotando e enfiando os papéis na agenda, na carteira, soltos na bolsa, numa pasta com minhas infindáveis listas.
mas a vida nos mostra o que precisamos ver. e hoje eu vim dirigindo de volta pra casa chorando, me sentindo uma pobre coitada, e anotei num post it pequeno e amarelo: eu sou muito quadrada.
esse era pra ser o título deste texto. eu sou muito quadrada. só porque eu falo palavrão, dou gargalhadas, tenho os cabelos não penteados, acho difícil me vestir com decência e falo o que penso, ninguém olha pra mim e pensa meu-deus-que-pessoa-quadrada!


mas acho um horror ter os cabelos tão revoltos, usar confortáveis botas masculinas de couro de uma fábrica gaúcha, ter rugas, ser grisalha, estar gorda, morar sozinha com os meus filhos mais ou menos desde que a minha filha nasceu. acho um saco não me acostumar a usar batom vermelho, ter medo de não ter dinheiro, dar gritos com meus filhos só porque a louça do almoço jaz imunda sobre a pia e a sala parece um circo sendo desmontado. tenho medo de não conseguir pagar todas as contas que uma pessoa tem de pagar no mês, como a da água a da luz a do condomínio e a da escola das crianças. tenho medo de não ser uma mãe amável. tenho medo de amar pouco. tenho medo de morrer.
eu sou quadrada, e há uns dias eu sou uma quadrada surtando.
dinheiro a receber em atraso, dinheiro seu confiscado, tela do celular quebrada, filha mudando de escola. mudanças no trabalho, a vizinha me chamando pra um trabalho sobre arte, o médico me falando b-a-r-b-a-r-i-d-a-d-e-s a respeito do climatério. noites mal dormidas, videogame sinistro do filho, vontade de fumar um marlboro que há anos eu não fumo.
peguei a caixa das cartas de cima do armário. resolvi abri-la, e comecei a ler uma por uma. arrumar a caixa das cartas deveria vir com prescrição médica. amigos e amigas sumidas, a mãe morta, o ex-marido que escrevia coisas lindas que ninguém jamais vai escrever novamente - pelo menos não para mim, porque declarações de amor absolutamente maravilhosas devem existir somente uma vez na vida de cada um, eu acho. fui rasgando cartas bobas, chorando com cartas lindas e me chocando com cartas esquecidas, como o cartão chinês vermelho com dourado, belíssimo, que meu médico acupunturista me mandou em algum momento e cuja existência eu desconhecia (um dia eu li este cartão, mas isso não estava registrado no meu coração).
as pessoas me ligam e perguntam se está tudo bem e eu digo claro está tudo ótimo. e como se anjos voassem ao redor dos ouvidos delas e assoprassem algo como "mas pergunta se tá tudo bem mesmo", elas repetem a pergunta, e eu respondo sim tá tudo andando as crianças estão bem e eu também obrigada tchau. mas eu tenho me esforçado muito para responder isso e para dormir e acordar todos os dias e NÃO SAIR PELADA GRITANDO PELA RUA.
pronto falei.


medito, medito mais um pouco e mais um pouco ainda.
hoje escutei o seguinte: "é preciso ter inteligência emocional para manter o equilíbrio". mas se a inteligência não for emocional, o que ela será?
uma mulher em surto é algo assustador.
deus esteja.


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