sobre a difícil arte do deixar ir

o glamour* não anda sempre ao lado da gente. e assim há os dias coloridos, ensolarados, mas há também os dias nublados, frios e com neblina. não estou falando das condições meteorológicas, mas de como nos sentimos.

o sol indo dormir 


aí tem as fases, que são feitas de vários dias. as fases alegres, nítidas, leves, e as fases densas, cinzas, que não têm nenhuma alegria e nenhum glamour.
assim é que é. não só com desempregados, mas com todo mundo. como eu estou desempregada, tenho a impressão de que os meus dias cinzas são mais escuros que os dias cinzas dos outros. o que é uma enorme bobagem.
o refrão belíssimo de "divino maravilhoso" grudou na minha cabeça dia desses, e eu ia cantando "é preciso estar atento e forte, não temos tempo de temer a morte". eu não lembrava de nenhuma outra palavra da música, só essas.
às vezes parece que a força acabou. tipo quando termina a gasolina do carro no meio da estrada, e você está andando feliz da vida a 100km/h, 120km/h e zuuuuum, o carro vai parando (já aconteceu comigo, e por isso descrevo a cena, que é patética). você para no acostamento. é isso. estou parada no acostamento. olhando os carros passar correndo na estrada.
ando horrorizada com a ideia de desgrudar, desapegar, deixar ir. as coisas, os sentimentos, o passado, umas ideias fixas, filminhos de cenas dolorosas da minha vida. e como se mestres sentissem o que seus alunos sentem, mesmo com um mar entre os dois, meu professor manda um email para os seus alunos falando da importância do quê? da impermanência. "Trying to make permanent, that which is impermanent, is suffering" said the Buddha.

coqueiros vão com o vento, e acho que sem reclamar


vou sofrendo com a minha teimosia, o meu materialismo exacerbado, o meu medo de cair de bunda no chão se eu me soltar de todas as coisas que me prendem. é claro que a ironia é justamente esta: se é tão fácil relaxar, se soltar exige tão menos do que agarrar, por que fico me agarrando no meu medo?
sempre digo para os meus filhos que a vida é feita de altos e baixos. mas como é fácil falar. abrir a boca e sair vomitando verdades, aquelas certezas absolutas que ficamos repetindo por anos e anos. mas fazer é outra história. por isso que é sempre bom desconfiar de conversa de bar, aquele blá blá blá que às vezes impressiona. a teoria é do meu primeiro marido.
quando éramos casados, eu tinha muitos sonhos. um deles era casar e ter cinco filhos. o outro era ter uma casa no meio do mato. mas que coisa. acabei descasando duas vezes, só tive dois filhos e minha casa fica no meio de bares e grandes avenidas e estações de metrô e pontos de ônibus que vão para qualquer lugar.
desde muito pequena eu sabia que planos eram uma bobagem. e eu continuo achando isso. mas isso também me dá arrepios. sem planos? como assim? sua louca! a insana que mora dentro de mim mas que não sou eu está sempre de plantão. e eu preciso estar atenta e forte.
dar conta do coquetel de bobagens que brotam de dentro da gente em dias muito cinzentos requer paciência, tolerância e disponibilidade para sentar e meditar. tenho me esforçado deveras.
deus esteja.

a bela caligrafia do mestre zen Thich Nhat Hanh. ufa!


* segundo o Houaiss: atração, charme pessoal; encanto, magnetismo

Comentários

  1. Tita querida. Espero que logo tu consigas botar gasolina no carro da vida de novo. Nao precisa ir a 120. Mas nem Budha ia ficar em paz parado no acostamento. Na prática é dificil manter a serenidade nas dificuldades. Te desejo saude e sorte. Beijos. Neco.

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  2. muito lindo seu texto... eu, pelo contrário ando querendo cada dia mais desapegar...me sentir mais leve... tenho esvaziado os armarios semanalmente! JURO! como se aliviasse a alma.
    bjos saudosos e amorosos,
    Ana

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