isso era pra ser um poema

9h. reiniciei a máquina. e enquanto ela ia desligando e eu ia pra cozinha preparar um mate as palavras começaram a brotar do meu cérebro.

hoje é domingo. acordei pouco depois das 5 e meia. desde que o meu despertador quebrou, na hora em que deito na cama para dormir eu falo pra mim mesma que vou acordar às 5 no outro dia. e acordo. nem sempre às 5, porque meu relógio interno tem lá suas questões. às vezes acordo meia hora antes. outras, meia hora depois. comprei um novo despertador, e depois de pagar por ele, o japonês que me atendia disse que consertaria o meu despertador quebrado. esses reloginhos são tão frágeis que eu jogava no lixo quando quebravam. mas desta vez voltei pra casa, achei o despertador quebrado que eu por algum motivo não havia jogado no lixo para reciclagem, e levei para o conserto. ironicamente, agora que sou a feliz proprietária de dois reloginhos ordinários, passei a acordar sozinha.




minha ideia era fazer minhas práticas matinais - e isso inclui umas preces curtinhas, de duas a oito posturas de yoga, o que depende um pouco do meu humor e um pouco do quão destroçado está meu corpo naquele momento, e 40 minutos de fica-sentada-aqui-meu-bem-que-praticar-mindfulness-é-sempre-benéfico-mesmo-que-você-não-acredite - e começar a trabalhar. antes eu ia sovar um pão, cujo fermento havia deixado borbulhando numa tigela ao longo da noite.

o pão foi pro saco. meu filho pediu um pão de milho, já que na dieta chinesa que ele resolveu seguir não entra trigo. eu juntei um quilo de farinha de milho com o fermento que cheirava a azedo e a água e me dei conta de que estava fazendo polenta, não pão. antes de sentar e chorar - meu filho não come polenta e na polenta não se usa fermento, hahaha -, fui buscar receitas de pão de milho da minha amiga internet. e encontrei duas respostas desoladoras: várias xícaras de farinha de trigo para uma ou duas de farinha de milho. como sou insistente, coloquei em duas formas os tijolos de farinha de milho empapados e os cobri. estão agora crescendo. daqui a algumas horas vou ver no que se transformaram e, se não parecer um lixo, vou assar.

passadas as tarefas iniciais do dia, me sentei bem linda e limpa na frente desta máquina. e surpresa! ela estava lenta. nada como encontrar uma máquina com processador intel i3 num dia em que você sente a sua barriga fervendo de ansiedade e as palavras pulando pra fora do seu cérebro. comecei a rir. que oportunidade, ficar olhando para a tela preta, o word não abrindo, o google chrome travando, e colocar a mão na sua barriga, dura de tensão. 

depois de seguir teimosamente por quase uma hora, desliguei a máquina. agora, com o mate ao meu lado, a máquina ligada novamente, vou encaminhando as palavras que saltaram da minha cabeça e as que ainda estão brincando de carrossel dentro do meu crânio aqui nesta tela. um vizinho ousado está em obras hoje, que é domingo. ele não deve ter coração pra fazer isso, mas eu nem posso falar com ele porque são tantos os prédios neste bairro moderno e descolado em que moro que já não é possível identificar de onde vêm os barulhos, como eu fazia uns anos atrás para ligar pro vizinho e dizer que aos domingos devemos descansar e evitar perturbar o descanso dos outros.

tenho aula daqui a uma hora. e porque a aula foi marcada para as 10h eu estava mui animada pensando que começaria a trabalhar às 7h e, quando a aula começasse, eu já teria feito a parte mais dura do trabalho de hoje. mas tive de mudar meus planos. primeiro porque acordei pouco depois do que tinha planejado. segundo, porque meu pão-que-virou-polenta tomou mais tempo do que um pão-que-vai-virar-pão. terceiro, porque estava procurando receitas de pão enquanto tomava café da manhã e percebia que comer e procurar receitas ao mesmo tempo é uma ideia infeliz, já que eu não comia direito nem via as receitas que procurava. quarto porque meu computador, além de ordinário, é meu parceiro, e sabe que tem dias em que ele têm de parar pra ver se eu tomo jeito.

ainda não sosseguei. ontem à noite, no último encontro do dia, meu professor disse para prestarmos atenção aos nossos sonhos. e para prestarmos atenção para o primeiro pensamento que surgisse quando acordássemos. e para que nos mantivéssemos em um estado de bondade amorosa. 

eu só me lembrei disso quando já estava acordada tinha uns instantes. mas meu primeiro pensamento foi a imagem do meu professor. eu sei, ou melhor, minha cabeça sabe, que podemos escolher o que pensar ao acordarmos. é um treino. o mestre zen Thich Nhat Hanh ensina que ao acordar devemos sorrir e sair da cama. mas uma coisa é você ler algo ou escutar algo. a outra é você FAZER esse algo e acreditar que isso vai dar certo. taí a vantagem de ter somente um despertador e ele cair no chão e quebrar. você começa a acordar sozinho. todos os dias. 

a percepção de que podemos escolher o que pensar é maravilhosa. não tem nada de esotérico. é uma coisa simples. é como andar de montanha-russa, daquelas gigantes e que viram de cabeça pra baixo, ou como descer uma cachoeira de rapel. só que um pouco mais emocionante.

eu há tempos ando intrigada com isso: por que demoramos tanto para simplificar nossas vidas? por que dá tanto trabalho abrir nossas mãos e soltar o que estamos segurando com tanta força? por que algo tão simples, que é abrir os olhos e enxergar o que está na nossa frente sem fantasias ou ilusões, leva uma vida inteira?

preciso ter paciência comigo mesma. e honrar o caminho que tenho seguido. se não, pisco os olhos e lá vêm meus companheiros sabotadores acabar comigo.




o céu hoje cedo estava rosado. tirei algumas fotos, que nunca ficam tão lindas como olhar o céu sem lentes, só com os meus olhos. e então fui me sentar num canto da sala para meditar, e quem estava linda redonda e branca no céu? tem chovido há dias, e eu não sabia que era época de lua cheia. o dia já estava claro, e a lua estava indo embora. 

fechei os olhos e fiquei imaginando ver o sol nascer atrás das montanhas de Botucatu. 


 




   





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