quem lava o fogão?

o termômetro do celular marca 10ºC. não sinto frio. estou suando.

meus planos para esta manhã eram acordar cedo, como sempre; fazer minhas práticas diárias, que incluem meditação e preces; e ler o livro cuja tradução para o português eu acabo de terminar de revisar. 

mas a vida não é o que planejamos - desculpa, tita, eu sei que isso vai desapontá-la, mas você precisa exercitar sua resiliência -, e sim o que acontece. isso pra dizer que antes de o despertador tocar eu abri os olhos bem desperta. desliguei o botão do alarme e voltei a dormir. eu não parava de sonhar, e tive a impressão de que dormia muito. mas não. uma hora e meia depois eu acordei. um pouco antes das 7h.

não rosnei. não disse para mim mesma que era uma imprestável por acordar tão tarde e não ficar sentadinha na minha almofada dura de meditação por uma hora. vim pra cozinha tomar o café da manhã com certa alegria. meu corpo dá sinais de exaustão. e eu os escuto.

a pandemia para mim tem sido uma escola. tenho sido obrigada a olhar para algumas coisas. e tenho aprendido compulsoriamente. 

o fogão jazia imundo. o forno estava preto. ah, que elegante dizer isso sem entrar em detalhes. estou melhorando nesse quesito. então tomei uma decisão: eu tomaria o café da manhã e depois colocaria o avental sobre o pijama, minhas luvas amarelas e partiria para a transformação do imundo no limpo.

a nalva, que trabalhou na minha casa por anos, sempre pedia para eu comprar um produto muito forte, cujo cheiro para mim era um fedor, para limpar o fogão. a ana rosa, que foi minha faxineira quando eu tinha dinheiro para pagar alguém para limpar minha pequena casa, também. ambas diziam que o forno não ficava limpo sem aquele creme branco meio líquido e do qual eu tinha nojo.

eu não entendia. eu nunca tinha entendido de limpar nem fogão, muito menos forno. 

às vezes eu esperava aquele produto chegar ao fim e ficava um tempo sem comprá-lo. e então a nalva dizia "limpei o forno, mas não ficou bem limpo". como não tinha ficado bem limpo se ele havia sido lavado e esfregado?

ele não ficava limpo porque limpar um forno é uma tarefa árdua. e eu, bem sentada no meu banquinho da ignorância, não fazia ideia disso. 

versão pós limpeza 

com a pandemia, a ideia de chamar a nalva ou a ana desapareceu. não podíamos chamar ninguém, mesmo que eu tivesse dinheiro para pagar a faxina - e eu não tinha. e isso foi bom, porque paramos de reclamar e passamos a fazer a faxina todo sábado. às vezes no domingo. 

a casa não fica como ficava. eu não tenho tanto conhecimento em como limpar muitas coisas, não só o forno e o fogão. mas vamos melhorando. o vidro tem sua limpeza aprimorada quando minha filha se anima ou quando eu digo a ela que a vista pra fora da janela não está nítida. hahaha. a arte do aspirador de pó está sendo melhorada e eu daria nota 10. mas o forno está longe de ficar bom. 

enquanto eu suava, abri as janelas da cozinha para entrar um ar. e ia pensando, com um pequeno chumaço de palha de aço na mão, que não era a força que ia limpar. ah, que bela metáfora! é preciso viver para aprender. é preciso experienciar, como diz meu professor, um homem sábio que usa muito bem as palavras.

a danuza leão, se não me engano, diz que não há nada como arrumar o armário das panelas para colocar as ideias no lugar. mas lavar o forno preto vai além de colocar as ideias no lugar. porque exige fôlego, persistência, paciência e a constatação de que eventualmente seu forno não vai ficar limpíssimo, só limpo. ou, como o meu, vai deixar de ser preto ou marrom para ter um pouco de brilho do metal das paredes e das grades. 

e isso tem a ver com as coisas da vida. elas não se resolvem de um dia para o outro, nem do jeito como queremos. nós fazemos a nossa parte - como agora cedo, em que suei durante mais de uma hora -, que inclui algum esforço e alguma aceitação.

na foto parece melhor

a vida não é "quando eu vender o meu apartamento" nem "quando eu tirar férias em paris". a vida é o barulho da máquina de lavar, as marteladas das obras vizinhas, meu pijama molhado de suor e as transferências bancárias que farei assim que terminar este texto.

depois de suar

ps - para a nalva e a ana, que como anjos, sempre fizeram mais coisas do que eu via. a ana, que está no céu, deve estar dando risada. 

 

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