os dias parecem séculos sem escrever

vou espalhando bilhetes
amarelos, laranjas e rosas
pelo carro, na agenda, e grudados no computador
as inspirações vêm
e ficam grudadas no papel
ela me conta que o marido encontra tempo pra tudo
e que é chamado pra mais coisas ainda
porque quem não tem tempo é muito eficiente
e eu penso em como eu tenho nojo de não ter tempo
e nojo de correr
e nojo de ver que há dias não escrevo
dona rosa fez um bolo fabuloso
que eu não comi
acabo de colocar os meninos na cama
a família está maior
com quique e nacho
os meninos da costa rica
que estamos hospedando
sinto uma alegria macia
um tipo que nunca tinha sentido
de ter esses meninos em casa
quando penso em quantas casas de família
já dormi quando viajava com a escola
devem ter sido muitas viagens
porque meu pai reclama até hoje
que passou pouco tempo com os filhos
que viajavam demais quase todo sábado e domingo
e no meio disso tudo
eu trabalho feito louca
pra deixar tudo organizado
pras fabulosas férias que terei
dia desses a chuva encharcou meu carro
que acabou ficando limpo por fora
e eu ia dirigindo e me atrasando cada vez mais
com a lentidão dos carros
que lotavam a estrada
e pensava que minha falta de ar
seria inútil
e então o dia encharcado foi passando
e eu tomei os três melhores chopps
dos últimos tempos
com os meninos que eu não via havia uma década
cheguei em casa sem ar
não de aflita, mas de atrasada
porque tinha de render a doce nalva
depois fiquei pensando
mas que bobagem achar que meus filhos
não podem dormir um pouco
enquanto eu dou gargalhadas
bem pertinho de casa
e então como se fosse um pó mágico
me lembrei aliviada
que existem pessoas que fazem sentido
tanto sentido
mas tanto
que eu fiquei com cara de boba
dias e dias depois
e em vez de achar ruim
fico olhando pro meu silêncio quase besta
e tenho a impressão de que não sou eu
ou sou eu com upgrade
com as pantufas de oncinha
e a cerveja gelada
e o silêncio
poético do ronco das quatro crianças
que dormem



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

a minha longa história com o dr. kong

sobre a ânsia de nunca (querer) parar

o farol fechado e a pedestre boba (e feliz)