coraggio, ragazza

eu sabia que eu ia chorar. mas tava demorando tanto.
faz uns quatro meses que começamos a falar disso. meu filho queria morar com o pai.
ele acabou de ir. e assim que eu me virei pra andar em direção ao portão de entrada do prédio, comecei a chorar. a gente nunca está preparada para a vida - ainda bem, senão o tédio ia ser insuportável.
um dos textos que eu mais gosto começa assim: "vossos filhos não são vossos filhos". eu estava grávida do joão, e imagino que era o começo da gravidez quando o meu então médico me entregou, em papel A4, esse texto impresso, do khalil gibran. e desde então gosto de lembrar que meus filhos não são meus, mas do mundo.
não vi escorrer uma lágrima dos olhos do joão, e ele tampouco viu escorrer lágrimas dos meus. e quando eu falava pra ele que íamos chorar no dia em que ele se mudasse, ele dizia que eu ia chorar mais do que ele.
a primeira vez que a minha filha pediu pra dormir na casa de uma amiga ela tinha 4 anos. a mãe da amiga não deixou. o joão começou a achar graça em dormir na casa dos amigos muito mais tarde. mas com 9 anos foi pela primeira vez sozinho pra porto alegre visitar meus pais. depois foi muitas outras vezes, e numa delas ficou 30 dias - e voltou com hábitos miseráveis como não tomar café da manhã e acordar ao meio-dia. a lívia também ia pra porto alegre com o irmão, e eu ficava em são paulo. depois, quando o pai deles foi morar no rio de janeiro, eles passaram a ir pra passar fins de semana na cidade maravilhosa - eu os levava ao aeroporto sexta-feira, e os buscava no domingo.
joão já fez algumas viagens para participar de acampamentos, que duram de 15 a 30 dias e não permitem contato a não ser por telepatia, e tanto ele quanto a lívia já passaram fins de semana e às vezes uma ou duas semanas na casa de amigos - mães solteiras sempre têm amigos preciosos que ajudam a cuidar das crianças.
mas quando um filho sai de casa é diferente. e é isso que me faz chorar agora. um pouco de medo de achar muito esquisito não ver meu filho todos os dias, mas só em alguns fins de semana.
estou com o coração partido. me sentindo em pedaços. é um sentimento raro esse. não costumo me sentir despedaçada. acho que pra criar dois filhos sozinha eu devo ter criado uns mecanismos pra não me sentir despedaçada à toa.
tudo passa, e isso também passará. mas a tristeza tá maior do que eu queria que estivesse. ainda assim acho um privilégio ver meu filho ir morar com o pai aos 13 anos. meu advogado me perguntou mais de uma vez se eu não ia dar pra trás. eu dizia que não, mas não sei se ele acreditava.
fico pensando que sem coragem é impossível criar filhos. eles só podem se tornar pessoas belas e fortes se tiverem pais corajosos, que acreditam na vida.
mas isso é o que eu acho, não o que eu sinto. mas talvez o mais importante agora seja conseguir chorar. lidar com a dor.
eu acredito que muitas coisas novas virão.
coraggio, ragazza.



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