20 anos depois

20 anos depois, eu volto à praia onde eu costumava vir com o meu marido.
tudo mudou tanto, mas ao mesmo tempo é familiar. em vez de uma casinha de madeira pequena e singela e abafada, uma casa de madeira pequena, mas ampla e arejada e cheia de luz, um banheiro com janelão para o mato e telhas de vidro no teto.
sem TV sem som sem internet. um retiro acidental, com as crianças felizes, energizadas, livres.
muitos livros num canto, redes na sala e na varanda, uma cozinha aberta para a sala, onde eu faço qualquer coisa para comer e que é sempre é motivo de alegria.
a noite é escura, preta. e tem barulhos desconhecidos para nós, que moramos na cidade grande e cinza. de manhã, a claridade entra pelos buraquinhos entre as madeiras das venezianas (ou seriam persianas?). aí eu sei que já é hora de pular da cama pra ver o sol sair por detrás do grande morro ao pé do qual estamos.
não, a casa não fica na beira da praia. para ver o mar, é preciso algum esforço. andamos por uma trilha linda, circundando o morro, e aí chegamos.
cada dia, uma paisagem. no primeiro dia, um mar liso, o sol refletindo sobre a água, uma trilha que dava num gramado e, mais adiante, numas pedras contra as quais as ondas estouravam. muito impressionante.
no segundo dia, uma neblina nos impedia de ver morros, dunas, o mar. o vento gelado trazia aquela fumaça linda, que aqui chamam de cerração - como eu chamava quando eu morava no Rio Grande.
no terceiro dia, uma ventania de fazer a gente sair correndo na praia certos de que vamos sair voando com aquelas gaivotas enormes.
e hoje, quando havia previsão de frio, o sol brilha lindo, o céu de um azul surpreendente. na sombra faz frio, mas no sol tá quentinho que dá pra ficar de pé no chão no deck de madeira da varanda.
para onde olhamos, vemos algo belo. pássaros brincam de planar no céu. são tantos, que a pequena Emilie já os fotografou algumas vezes.  
eu trouxe o meu computador e a minha pasta com os poemas que tenho escrito nos últimos 30 anos, mas não consegui abri-los. planejava trabalhar durante as férias.
relaxar é tão precioso. e eu sempre fico boquiaberta com as férias que eu invento, do jeito que dá. quem vai conosco? aonde iremos? quanto vai custar? quando chegamos, é sempre uma alegria daquelas que vem de dentro da barriga e do coração. aquela alegria que faz a gente sorrir e faz escorrer uma ou duas lágrimas de um dos olhos.
cada vez que eu viajo, eu acho mais lindo o lugar onde eu chego. toda vez vou para um destino diferente, mesmo combinando comigo que vou voltar para onde estive. mas não volto.
sinto na casa a alegria e a tristeza da Ale, minha amiga querida que construiu esta casa quente, colorida e acolhedora. e sinto alegria de estar aqui ganhando de presente toda essa beleza, esse silêncio, esse calor, esse estar aqui.

PS - para os meus filhos, João e Lívia, e para Emilie, que toparam essas férias no meio do mato, na praia, bem no inverno!

PS2 - e para provar que o desapego é necessário, todas as fotos que tiramos com o meu celular foram perdidas.

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