A viagem, a coragem, a bênção

Viajar é, antes de mais nada, um ato de coragem.
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Comecei a sentir pingos muito sutis. Escondi minha câmera fotográfica/celular sem sinal da operadora debaixo da toalha na qual eu estava enrolada e continuei meditando. Eu tinha me acordado muito cedo para ver o sol nascer. Eu sabia que a previsão era de chuva, mas coloquei o despertador para tocar às 5h10.
Ontem eu tinha acordado às 5h45 e quando cheguei à praia, às 6h, o sol já estava despontando por detrás de uma nuvem que descansava sobre o mar. E o dia já estava claro. Hoje eu queria ver o dia clarear.





Me aprontei lentamente e fui para a praia andar. Fui andando até a ponta da praia, mas parei um pouco antes para fotografar um banco de madeira impressionante, preto, sólido, bonito e que deve estar no lugar onde eu o encontrei há muito, muito tempo. Parei para tirar uma foto, mas senti vontade de sentar. E quando sentei de frente para o mar e para o céu cinza escuro senti vontade de meditar ali, sentada numa posição que não é a que eu costumo meditar.


Marquei 40 minutos no alarme. Cobri meus pés com um pouco da areia clara e bem fininha. A canga tapando as minhas pernas, uma saída de praia cobrindo meu corpo da cintura pra cima e uma toalha enorme enrolada por cima de tudo.
Ontem eu esqueci na escuridão da fazenda onde havia passado o dia em reunião de equipe de trabalho meus óculos de sol e meu chapéu de abas enormes. Sabia que hoje estaria mais descoberta na praia – eu jamais vou à praia sem óculos e chapéu. Senti um entusiasmo ao me dar conta de que veria o céu o sol o mar a areia as árvores os pássaros os pescadores sem proteção.
A chuvinha foi tão leve que quando eu terminei a meditação, sentada naquele banco preto velho, só meus cabelos estavam levemente úmidos. Andei um pouco mais, e achei uma casa que de longe parecia a-casa-dos-meus-sonhos, mas que de perto era estranhíssima, com buracos abertos em vez de janelas e com um muro que a escondia de maneira assustadora, como se ali morasse uma bruxa. Dei meia-volta e comecei a voltar.
Na praia, além dos pássaros, havia pescadores. Um passou por mim a pé, outro, de bicicleta. Eles passam em silêncio, concentrados, às vezes nem dizem bom dia. Quando olhei em direção à restinga, eu já tinha chegado de volta ao lugar por onde eu havia chegado à praia. Hora do banho de mar.
Na Bahia tudo é quente. Até a areia molhada pelas ondas em pleno inverno, num dia muito cinza. A água não estava quente nem fria. Eu gargalhava no mar, feito uma criança pequena que vive em êxtase.

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Pudim de coco
1 coco inteiro
3 ovos
1 lata leite condensado
a mesma medida de leite
bater tudo no liquidificador, e assar no forno em forma de pudim, com buraco no meio. Ao desenformar, enfeitar com coco fresco ralado.
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Tomar café da manhã na Bahia é uma experiência difícil de descrever com palavras. Experiência que pode ficar perigosa quando estamos com fome. E bingo!, eu estava morrendo de fome. Frutas, sucos de fruta feitos com frutas de verdade, ovos, aipim, cuscus, bolo de tapioca, pudim de coco, banana da terra assada com canela.
As mulheres na cozinha escutavam uma música estilo “on my own”, da Nikka Costa, e cantavam junto. Batiam pratos e talheres loucamente, num barulho alto e quase perturbador. Todas usam havaianas e bermudas jeans justas, em cujo bolso traseiro metem o celular. Duas delas sabiam que eu não tinha tomado café da manhã ontem. E perguntaram por quê, ao me verem.
Meus colegas de trabalho me contaram que na Bahia, quando você chega à casa de alguém, um banho é oferecido. Tipo “Oi Tita, tudo bem? Quer tomar um banho?”
Eu vim pra Bahia pra uma reunião. Tudo em cima da hora, deixar as crianças em algum lugar, ver quando é melhor ir e quando é melhor voltar, hotel, taxista para me buscar no aeroporto, dinheiro porque adiantamento de viagem só é concedido com 7 dias de antecedência, e eu pediria o dinheiro três dias antes.
É maravilhoso ir a lugares desconhecidos. Eu já passei cinco férias na Bahia, além de um retiro de dez dias. Estava indo pela sétima vez, mas para um lugar desconhecido. Viajar, além de dar trabalho, dá medo. Como estará o clima? O que devo colocar na mala? O hotel será digno ou uma espelunca? E o taxista que vai me levar de um lado pro outro, será que é gente fina ou um mala? Você não conhece nada e chega a um lugar onde as pessoas estão no seu habitat. Você é um forasteiro. É preciso chegar mais devagar que o habitual, falar mais devagar e escutar com atenção. Ser forte e delicada ao mesmo tempo.
Andar por ruas de paralelepípedo e perceber os olhares de estranhamento dos locais.
Entre uma atividade e outra, uma caminhada na praia com meditação e banho de mar. E uma ida rápida à cachoeira da fazenda Juerana Milagrosa – nunca tinha visto nem ouvido falar de uma cachoeira que não tem água gelada. Uma caminhada rápida e cansativa mata acima e chegamos de volta à reunião.


São pequenos e preciosos momentos de bênção. Poder parar, olhar, fechar os olhos e escutar o barulho das ondas e o canto dos pássaros. Ver o cacau nascendo no meio da mata, a cabruca. Sentir a água fresca batendo no ombro e na cabeça enquanto meu corpo com medo ficava esticado, grudado contra a pedra por onde a água caía. 
Mas o melhor de tudo – e isso é evidente – foi ter estado com pessoas de verdade, inteiras e presentes. Acho que o nome disso é acolhimento. Gratidão. É isso que enche meu coração enquanto a luz que entra pelas gigantescas janelas do 1º andar do aeroporto de Ilhéus ofuscam minha visão, sem a proteção dos meus sempre presentes óculos de sol, que ficaram na fazenda ontem à noite.  

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