Marie Kondo-ing dentro de mim
digam o que disserem, as lições mais preciosas da vida
vêm nos momentos menos, digamos, felizes. isso não é uma escolha nossa, feliz
ou infelizmente. assim é que é.
quando o
mergulho nos momentos não propriamente felizes é profundo, mal conseguimos
enxergar. na verdade, por vezes não enxergamos absolutamente nada. e aí todos
os comentários que escutamos nos parecem ridículos, fora da realidade ou uma
piada de mau gosto.
eu devia estar
chorando ao ponto de molhar a mesa sobre a qual estava o meu computador quando
minha querida mentora me diz, no seu inglês de mulher irlandesa, que não ter
dinheiro é um processo rico (isso não é um trocadilho), de muito aprendizado.
ela lá no canadá, onde mora, eu aqui no brasil, e uma tela na cara de cada uma,
de forma que ela sempre pode VER minhas lágrimas escorrendo. claro que não
demorou muitos minutos do nosso primeiro encontro virtual - viriam mais outros
depois - para ela dizer que eu sou fortemente regida pelas emoções. karen é uma
mulher fina, elegante, com um sorriso adorável e olhos que brilham feito um
sol. ela fala as coisas mais duras do mundo com uma doçura e uma firmeza
gigantescas. ela é freira budista, mas se veste como uma leiga, de forma que eu
fiquei muito espantada quando soube. aliás, eu não sabia que existiam freiras
budistas.
e assim, ao
longo de janeiro, eu não consegui escrever nem UMA LINHA sequer neste blog
porque estava ocupada afundada nas minhas preocupações com... dinheiro! bingo!
digamos que eu
poderia ter sido mais criativa, mas isso também não é uma escolha. eu
simplesmente enterrei meu corpo (cabeça inclusive) na lama macia e cega que é o
medo de não ter dinheiro. bingo novamente!
e então,
enterrada até a alma, me dediquei ao que eu chamo de Marie Kondo-ing dentro de
mim. para quem não sabe, Marie Kondo é uma japonesa expert em organização, como
eu. mas ela, diferentemente de mim, escreveu livros sobre o tema e virou uma
best-seller. Dona Kondo diz que "Anything that doesn’t make you
happy or isn’t absolutely necessary should be touched, thanked and sent on its
way", o que numa tradução livre seria "Tudo o que não traz felicidade
ou que não seja absolutamente necessário deveria ser tocado com gratidão e
doado".
meus filhos e eu seguimos à risca o
que diz dona Kondo. primeiro, fizemos uma reunião, em algum momento em janeiro que não lembro mais, e pela primeira vez eles
ficaram sabendo da realidade financeira da mãe deles. eu jamais falava pra eles
valores que eu recebia dos meus trabalhos, nem o meu salário (quando eu
recebia, quase um ano atrás). achava que dinheiro da pessoa que mantém a casa
não era assunto para menores.
mas chegou o momento de decidirmos se
eles iriam ficar na escola perto de casa que eles amavam e cujas mensalidades
eu não estava conseguindo pagar desde que parei de receber a pensão de
alimentos que eles recebiam todo mês ou se iriam para uma escola pública.
eu fui criada na bolha que meus filhos
estavam sendo criados: a família paga a escola de seus adoráveis herdeiros
porque afinal investir em educação é o mínimo que se pode fazer quando se tem
filhos. mas quando a família (no caso, eu) não tem mais dinheiro para pagar a
escola, ainda que investir em educação é o mínimo que se pode fazer, o que
fazer?
meus dois filhos já estavam
matriculados na rede pública. e eu chorava ao pensar que eles teriam de sair da
escola amada ao lado de casa. mas segui pedindo desconto na escola amada,
trocava emails com uma pessoa do financeiro, fazia orações, revia minha
planilha de gastos, fazia propostas de trabalho e não dormia à noite com medo.
a arte de educar filhos é proporcionar
que eles virem gente. gente que sente, que pensa, que olha pro outro, enfim,
comportamentos básicos que diferem uma pessoa de um ogro. e se tem uma coisa da
qual eu me orgulho é que meus esforços para criar as crianças sozinhas não
foram em vão: eles são gente. e por isso decidimos, com uma tranquilidade quase
assustadora, que sim claro vamos trocar de escola.
a bolha estourou.
eu tento não ser espalhafatosa, o que
é um grande esforço. mas o fato é que estamos bem e felizes. este ano ninguém
viajou nas férias, exceção para os oito dias que passamos em deslocamento, 4 no
carro, 4 em porto alegre para visitar o avô e passar com ele o natal. no natal
ninguém ganhou presente. saímos para comer fora para comemorar o meu
aniversário porque a minha filha disse que pagaria o nosso almoço. daqui a dois
dias não teremos mais carro, porque todos sabem andar de ônibus aqui em casa e
ter um carro começou a parecer um despropósito para quem, como eu, está
rebolando para sustentar sozinha sua pequena família.
as escolas em que meus filhos estão
são muito boas. pela primeira vez desde que, em 20003, meu filho entrou no
jardim de infância, eu não paguei matrícula, nem mensalidade, nem material
escolar, nem livro didático, nem uniforme, nem lanche, nem almoço. também não
vou mais carregar os bilhetes de estudante deles, porque aluno de escola
pública tem gratuidade no transporte coletivo. mas isso tudo não é o melhor,
ainda que traga grande alívio para a chefe da família (afe, que expressão
tosca). o melhor de tudo é ver que sobrevivemos ao que parecia ser o fim. sair
da bolha é um esforço. eu não nasci de parto normal, mas imagino que sair da
bolha seja semelhante ao esforço que um bebê que nasce de parto natural (ou
normal) deva fazer.
a vida não é o que planejamos nem o
que desejamos. a vida é o que acontece todos os dias. eu tenho mestres que
seguram na minha mão e por isso eu consigo escrever agora. eu vou aprendendo
com eles, todos os dias, a largar as coisas que não me trazem felicidade e as
que não são absolutamente necessárias para a minha vida. e nisso meus filhos
ganham de presente uma mãe que fala a verdade para eles, que não finge que tem
uma vida que não tem, que não mente e que não tem vergonha de dizer que por
dois meses não há dinheiro para mesada nem para pizza nem para novas havaianas.
é engraçado como é duro descolar das
crenças metidas dentro da alma de uma criança criada em uma família rica
e, claro, falsa. estou falando de mim.
é um alívio e uma alegria saber que
aos 47 anos é possível nascer de novo.
as duas primeiras fotos são de um
exercício que eu fiz. é preciso às vezes fotografar para enxergar e/ou
relembrar.
as três outras são da comemoração do
meu aniversário. com a torta de maçã que a minha mãe fazia mais amoras.
celebrações singelas são sempre as mais bonitas.
Adorei, sincero, direto, muito bem escrito, verdadeiro... Desejo muita sorte, saúde e luz! Fran Britto (marido da Adri).
ResponderExcluiradorei seu comentário, fran! obrigada!
Excluir