mamãe vai viajar e já volta

eu não sei se em todas as famílias funciona assim, mas creio que na maioria, sim. quando tem viagem, seja de filho, de mãe, de mãe com filho ou de toda a família, a mãe é a pessoa que fica mais ocupada com os preparativos. bem, me parece que há algumas exceções. caso da minha amiga que é casada com um homem que não é brasileiro e que cozinha todas as noites. suponho que ele também arrume malas e organize o porta-malas do carro e se responsabilize por outras coisas. mas ele é uma versão-quase-aberração do homem que faz.
e então eu peguei um trabalho cujo desenvolvimento exigirá algumas viagens. uma, que aconteceu uns dias atrás, e possivelmente mais uma ou duas.
tudo foi preparado com antecedência. um cliente organizado e tranquilo, eu idem ibidem. datas, agendas, cronogramas. tudo certo.
e as crianças?
eles não são mais crianças. são meus filhos. e exatamente por este motivo desta vez eles, os meus filhos, ficariam sozinhos. deixar filho sozinho não é exatamente um problema. pode ser uma solução. conforme os anos vão passando, filhos vão aprendendo a fazer tarefas básicas que os habilitam a passar duas horas sozinhos em casa (rende uma sessão de cinema ao progenitor). depois aprendem outras tarefas, essas mais complexas, como jantar e tomar banho e escovar os dentes e ir para a cama sozinhos (rende uma festa que pode se estender madrugada adentro). um dia eles já sabem lidar com panelas, bocas de fogão, acendimento de forno e voilá!, já podem passar um ou dois dias sozinhos em casa (aí já rende um fim de semana na praia!).
depois de vários aprendizados que vão se somando, chega a hora em que você se dá conta de que seus filhos podem ficar MAIS do que um sábado e um domingo em são paulo enquanto você vai pra praia tomar banho de mar, boiar, andar, tomar cerveja e dormir em silêncio. esse dar-se conta vem num formato claro, definido, sem dúvidas. é um fato. os filhos crescem. mas nem sempre os progenitores crescem e acompanham a mudança dos filhos (será que eu sou a única? duvido. ufa!, sentimento de acolhimento momentâneo).
"mas mãe, você disse que ia ficar fora uma semana!", dizem os dois, em oníssono, quando eu falo que viajaria numa terça e voltaria na sexta seguinte. sim, eles esperavam SETE dias sem a mãe dentro de casa, e não somente quatro.
os dias que antecederam a minha partida para a viagem a trabalho de SOMENTE quatro dias foram intensos. ainda que eu seja uma pessoa cuja organização beira o irreal, eu tinha muitas tarefas a cumprir antes de partir. uma delas era deixar comida suficiente, dentro da geladeira e dos armários. a outra era deixar roupas limpas (operação vamos esvaziar o cesto de roupas sujas logo). tinha também o tal do bilhete - um desafio, já que meus filhos não leem os bilhetes que eu deixo. mas era preciso lembrá-los de duas tarefas básicas diárias para as quais eu preciso estar ao vivo e em cores na frente deles para pedir 28.457 vezes pelo menos: molhar a horta e as plantas da casa e recolher o lixo.
agora, olhando para essas tarefas tão simples e banais, me dou conta de que, claro, a mais difícil de todas eu não tinha listado. lembrar de me levar inteira para a viagem. sair de casa e me levar junto. entrar no avião sem esquecer nada de mim.
tá bom, vou falar a verdade. entrei no táxi e comecei a chorar. tentei ser discreta e silenciosa pra não dar bandeira pro motorista do cabify. mas eram muitas lágrimas que rolavam, mesmo eu ordenando pra mim mesma "chega, nada de choro, pode ir parando, deu!". as ordens foram inúteis. eu não as obedecia. ou melhor, uma parte de mim não obedecia. e então foi preciso abrir a bolsa devagarinho e pegar um lencinho de papel e secar as bochechas e assoar o nariz. pronto, óóóóbvio que o motorista viu. quando a gente não quer chorar (mas chora), a gente não quer que ninguém veja as lágrimas pulando pra fora dos olhos. mas durou pouco. só os 20 e poucos minutos que se passaram entre a calçada do meu prédio e a calçada do aeroporto. pausa para risadas.
aeroportos não lugares tão insuportáveis que nem dá tempo de chorar. ainda bem. check in, bagagem, etiquetas, documento com foto, senhora?, banheiro lotado, fila para o embarque. ufa. sentar e colocar o cinto é quase um alívio.

flores agarradas aos troncos das árvores na frente do hotel

escritório do quarto do hotel: silêncio, concentração, paz

mamãe está bem


os dias foram passando e tudo se assentou. como diz meu velho pai, e eu repito sempre, "as abóboras se ajeitam com o andar da carroça". meu medo de estar no Rio e andar no Rio passou. eu trabalhei bastante por quatro dias, sem escutar uma única vez a palavra ôôôômãe. ao fim do quarto dia, adiantei meu voo, que atrasou. tomei tantas cervejas quanto o atraso do voo permitiu. desembarquei num aeroporto cheio, fiquei muito tempo na fila do táxi e cheguei em casa feliz da vida.
todos tínhamos sobrevivido. minhas plantas, a horta, meus filhos e eu. uma rápida geral na geladeira e na casa e plim, tudo voltou à rotina. a árdua tarefa de criar filhos vai dando certo. eu sempre digo que ter filhos é, de longe, a coisa mais divertida da minha vida. e a mais difícil também.
mas estamos indo bem. agora vou planejar com mais afinco o meu retiro em portugal ou na nova zelândia. que não será de somente quatro dias. mas muito mais. para alegria da mãe e alegria dos filhos!

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