a preciosa lição do meu hóspede

"não fale, a menos que possa melhorar o silêncio."
...
era um dia perfeito. nublado. fresco. com uma leve chuva. eu tinha saído para andar e só vi o chão molhado ao chegar à porta do prédio que dá pra rua. mas era uma chuva fininha, me garantiu o porteiro, quando ameacei voltar pra casa.
o chuvisco me fez lembrar o meu hóspede alemão. uns dias antes, estávamos, o alemão e eu, caminhando pelas largas calçadas da avenida paulista. chovia um pouco. e ele disse, animado, "it's fresh".
é maravilhoso quando aproveitamos o que está acontecendo. e eu estava aproveitando aquela manhã cinza, fresca e molhada para andar e achar bom. o que me fez lembrar do meu hóspede outra vez.
ele havia chegado na minha casa na noite anterior. não nos conhecíamos. eu estava morrendo de sono. era perto das 23h quando a campainha tocou. oi, como vai?, quer comer?, aqui tem uma toalha pra você, ah, deixe suas mochilas aqui. ele disse que ia tentar dormir, mas para ele eram 3 da tarde - ele tinha voado na nova zelândia para são paulo.

levando meu hóspede ao museu

oh no! eu fui dormir, e meu hóspede insone ainda ficou na sala algumas horas. no outro dia, íamos sair. mas ele não acordava e eu não queria chamá-lo. ele acordou mais perto do almoço do que do café da manhã. e não pudemos sair, já que eu tinha de preparar algo para o almoço. perguntei, então, o que ele queria fazer em são paulo. tem algo que você queira ver, conhecer? não. ele não queria conhecer nada. ele não tinha nenhum plano.
corta para a cena em que o narrador morre.
ah ah ah. eu sempre defendo não ter planos. mas quando um sujeito aparece na minha frente e diz isso, eu morro. de susto. de pânico. de admiração. de amor.
e então passamos dois dias sem planos. meu hóspede cansado, acho que zonzo com o brutal fuso horário. e eu, tentando ser gentil e indo com ele para algum lugar minimamente bonito nesta cidade grande e cinza - ele não gosta de cidade grande, me disse ao chegar.


a flor na calçada que me lembra de ser e não fazer


não ter planos me fez lembrar essa fábula:

Na região de Shu viviam dois monges, um rico e um pobre. O monge pobre propôs ao monge rico uma peregrinação a Nanhai. O monge rico achou a ideia interessante, mas queria saber o que deveriam levar. O monge pobre respondeu que seria necessário levar apenas uma garrafa para a água e uma tigela.

- O resto eu peço no caminho.

O monge rico respondeu:

- Faz anos que eu penso em realizar essa viagem. Já comprei até um barco. Mas até agora não consegui tomar todas as providências necessárias para essa longa peregrinação. Como é que você, com apenas uma garrafa e uma tigela, vai conseguir? 

Um ano depois, o monge pobre retornou de Nanhai e foi visitar o monge rico. O monge rico ficou envergonhado.

voltando ao meu hóspede. eu gosto muito de ter gente em casa. em intervalos regulares, claro. mas é sempre divertido conviver com outros dentro da nossa própria casa. mas eu não moro sozinha. por isso, antes de me comprometer a hospedar alguém, pergunto para os outros dois moradores da casa o que acham. e desta vez a resposta foi muito sábia.
me disse um deles: "a nossa casa não é muito grande, muito menos para hospedar pessoas que não conhecemos. mas eu acho que quando você for para a alemanha fazer um retiro você vai gostar que alguém te hospede. por isso acho que devemos hospedá-lo". e assim decidimos que hospedaríamos nosso ilustre viajante.
ele está viajando há três anos e meio. andou seis meses pela ásia - índia, sri lanka e tailândia. canadá e nova zelândia. e agora, brasil. ele conheceu alguns professores meus nessas andanças. uma irlandesa, um inglês e um canadense. ah, e uma brasileira. imagino que daqui a uns dias vá conhecer meu principal professor - que é neozelandês, mas mora no interior de são paulo.
ter hóspedes é como viajar sem sair de casa. um mundo se abre. e como eu já me hospedei em inúmeras casas ao longo da minha vida, e os meus filhos também, considero sempre um presente. eu poder retribuir o que tenho ganhado ao longo dos anos. e poder mostrar aos meus filhos que assim é que é: você ganha e você retribui. uma casa que não recebe forasteiros tem algo faltando.
e eu preciso receber muitos hóspedes sem planos, para aprender de vez que preciso muito mais ser do que fazer.




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