queridas amigas, isso seria um texto de whatsapp.

queridas amigas,
isso seria uma mensagem de whatsapp.
cheguei em casa nesta tarde cinza e gélida e em vez de sentir tédio - oh eu tenho de me organizar para amanhã, quando vou dar aulas, e tenho de fazer uma sopa para o jantar -, eu senti uma alegria amarela e quentinha, se a alegria tivesse uma cor e uma temperatura.
vou mandar uma mensagem para elas, pensei. aí logo lembrei que teria de começar assim: "sentem. respirem. pronto, agora podem ler bem devagar".

em alguns lugares o prato é tão lindo quanto a comida


aí eu ia contar pra vocês como estava me sentindo. mas logo por whatsapp? onde a gente lê rápido e responde rápido e depois nem lembra o que disse nem se respondeu fulano sobre aquele assunto?
fui dar uma olhada no meu blog e vi que fazia quase dois meses que eu não parava, sentava e escrevia. fazia seis quilos e uma semana de férias. isso quer dizer muito tempo, um tempo infinito e, por isso, imensurável.
nunca tive uma regularidade de publicação de textos neste blog por um simples motivo. quando eu escrevo eu não uso só a minha cabeça. eu escrevo com outras partes do meu corpo também. e com isso quero dizer que tem partes do meu corpo que não obedeceriam uma periodicidade, tipo uma vez por semana, uma vez por mês ou sei lá uma vez a cada quanto tempo.
o cheiro da sopa de ervilhas que está borbulhando agora no fogão chegou até a sala. e é justamente sobre comida que eu queria escrever quando me deitei meio sentada no sofá e coloquei meu computador no meu colo.
eu tenho muita falta de ar. nem tanto assim, se eu comparar com o passado recente. mas tenho. e dia desses descobri que a falta de ar tem suas preferências para aparecer no meu corpo. e essa hora é quando me sento para comer. pode ser de manhã, pode ser no almoço, à tarde, à noite.
a ideia de comer só por comer me aflige. vai ver é por isso que tenho dificuldade de comer comida vagabunda, tipo lasanha comprada pronta do freezer do supermercado. eu como muitas coisas, rabada e cupim inclusive. e mandioca com ovo frito também. mas comer "qualquer coisa" não é comigo.
quando a gente come "qualquer coisa" a gente tá tentando encher um buraco dentro da gente que não fica cheio nunca.
sentar e comer é um ato quase sagrado. não tem a ver com ONDE estamos nem O QUÊ estamos comendo, mas COMO estamos comendo. e quando a gente se dá conta disso, a gente come bem. muito bem. nem muito, nem pouco, só o suficiente.
e assim é que foi. fui até o centro da cidade, e o cheiro de mijo entrou pelas minhas narinas quando subia as escadas do metrô. andei até a porta do restaurante e antes de entrar ainda atendi um telefonema pra falar de coisas que já me deram muito nervoso, mas hoje não me afligem mais. pessoas vão à falência, pessoas não pagam suas dívidas, pessoas falam uma coisa quando querem dizer outra. mas o que podemos fazer com a escolha de outrém? nada.
fazia tempo que não nos víamos. sentamos e conversamos e comemos. os assuntos eram variados, trabalho filhos dinheiro medos retiros amigos. sugeri um café numa esquina envidraçada de um padeiro pop star e, para minha alegria, vocês não tinham de sair correndo. nem eu.
mais uma vez sentamos e conversamos. e tomamos café. que lindo olhar a praça toda verde sem sentir o cheiro de mijo que está lá impregnado.
passadas quase três horas e meia, tínhamos de ir. uma tinha de levar o aspirador de pó para o conserto. a outra tinha de devolver as chaves da faxineira, que tinham sido metidas no bolso por engano. a outra tinha de passar na assistência técnica para deixar um aparelho de barbear do filho.
um conforto seguiu comigo metrô adentro. três mulheres tão diferentes. uma de cada lugar do país. uma casada, as outras descasadas duas vezes. uma sem filhos, outra com dois filhos. a outra com dois cachorros.
uma se preparando para uma aventura no deserto, a outra voltou de um retiro. "isso fica entre nós, tá?" "que isso não saia daqui." é bom - e raro - poder falar as coisas que queremos. às vezes dá medo de parecer boba, outras dá medo de parecer metida. também podemos ser interpretados de um jeito que não nos agrada. às vezes falar é igual ficar pelado. ficamos sem a proteção das roupas e nos mostramos vulneráveis. 
tudo isso pra dizer que encontrar amigos para comer com calma e com vontade é o máximo. pra dizer o mínimo. a vida tem mais graça quando sabemos que não estamos sós.
 

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