um ano sem comprar: eu consegui!

ele é muito inteligente, e sempre me diz coisas que eu jamais imaginei.
abri meu armário para mostrar a ele, que tinha ficado uma semana fora, a incrível organização. e suspirei, "mas passado um ano, meu armário segue cheio".
"as coisas acabam menos quando você não compra nada", me disse. "e acabam mais quando você compra." uau. era isso.
a conversa aconteceu umas três semanas atrás, quando eu estava perto de atingir a minha ousada meta de passar um ano sem comprar roupas (nem sapatos ou acessórios). parabéns, eu digo pra mim mesma. eu completei meu sabático. que alívio, que alegria, que liberdade. eu mando na minha carteira. eu não compro só porque está em promoção. eu preciso de muito pouco.
um ano sem comprar não é pobreza, é fartura. porque só se compra o necessário. e faz você se dar conta do que é realmente necessário. e o necessário, desculpa desapontar nosso consumista interior, é muito, mas muito pouco.
eu fui me livrando de tudo o que não era necessário. da faxineira, do esmalte verde-alface, da terceira ou quarta tesoura que tinha na casa, das bolsas de couro preto que me faziam parecer uma senhora fina.
foi um impulso que eu tive ano passado. era uma ideia antiga, mas que eu nunca tinha colocado em prática. muitas e muitas pessoas já fizeram isso. mas eu nunca tinha feito e achava que poderia fazer. mesmo tendo medo de morrer de ansiedade, ah ah ah.

swishing na minha casa um ano atrás, quando comecei o sabático


como fazer? primeiro, você estabelece um acordo com você mesma. o meu era não comprar nada para o meu guarda-roupa por um ano, a menos que algo acabasse. nenhuma calça jeans? então eu poderia comprar uma. escrevi um acordo no dia 10/12/2019. esse abaixo.

as regras são as seguintes:
  • não comprar nenhuma peça de roupa até 10/12/2019. exceção para calcinhas, caso sejam menos de seis na gaveta, e sutiãs, caso sejam menos de três
  • caso uma peça única acabe nesse período, por exemplo, meu par de tênis de corrida, poderei comprar outro par de tênis de corrida, desde que o antigo seja doado
  • só poderei ter roupas e sapatos e acessórios novos que sejam dados para mim de presente, doados, trocados ou emprestados
  • produtos de beleza que não são usados diariamente, como maquiagem, poderão ser comprados desde que o produto em uso tenha acabado. por exemplo: caso eu não tenha nenhum esmalte, poderei comprar um vidro. o mesmo para o batom: caso todos os batons acabem e eu não tenha nenhum, poderei comprar um
  • as compras feitas serão anotadas, de forma que ao fim deste ano de exercício de lidar corajosamente com o meu consumismo eu saiba tudo o que foi comprado e o preço pago (as únicas peças compradas foram calcinhas, quase sempre no supermercado por 10 ou 15 reais. por isso não fiz a lista)
  • as doações de roupas que não servem ou que eu não uso mais também serão registradas em uma lista (essa lista eu comecei, mas depois achei que seria uma bobagem e desisti de fazê-la)
ao longo deste ano, toda vez que eu queria algo que não tivesse acabado, incluía o desejo numa lista. como um lenço preto que eu quero ter, mas não preciso. ele está na lista há um ano.
como você não pode comprar nada, acaba aproveitando algumas coisas. usando a camiseta que o outro não gosta, mas que é nova e linda e de um algodão macio. é a prática daquela máxima que a gente lê em matéria de revista: recicle, reúse, reaproveite.
eu imaginava que ou eu morreria ou eu teria um milhão de insights. mas não foi assim. eu não morri, não sofri e tive poucos, porém preciosos insights. passado um mês, comecei a tirar do armário o que não me dava alegria. passados três meses, uma sensação de libertação chegou. cinco meses de sabático, e ganhei da minha filha um vestido e um colete de dia das mães. ela gastou R$ 20 comprando as duas peças num brechó do bairro. nove meses sem comprar, e me dei conta de como todo o aprendizado era interno. quase completando o ano do meu sabático, contei as roupas no armário e percebi que o número praticamente não tinha baixado - e que alguns tinham aumentado! -, o que foi assustador e me fez compreender a lógica do menos é mais.
em dezembro do ano passado, fiz um inventário do que estava no meu armário. e agora fiz outro. quando houve diminuição é porque peças foram doadas ou transformadas (calça jeans em short). quando houve aumento é porque ganhei alguma roupa (de amigas; nos swishings, encontros de troca de roupas que faço na minha casa a cada seis meses mais ou menos; dos meus filhos) ou coloquei de volta em cabides roupas que estavam fora de circulação, numa quarentena no maleiro.
na minha fantasia, de dezembro do ano passado a dezembro deste ano meu armário se transformaria naquele modelo organizado e prático que mulheres que entendem de moda adoram citar. eu tinha um livro da costanza pascolato e outro da gloria kalil que falavam disso. depois tive um livro colorido e cheio de fotos lindas de uma parisiense editora de uma revista feminina, no qual ela falava dos lugares mais legais para se conhecer em paris e, bingo!, das peças essenciais que uma mulher tem de ter em seu armário. coisas distantes da minha vida, como um belo chapéu de palha, bolsas de vários tipos (grandes, informais, uma minúscula, pelo menos), um sobretudo, calças escuras e claras, sapatos com e sem salto, esportivos, formais e neutros. blá-blá-blá.
não foi assim.
foi muito, muito melhor.

o armário um ano depois de iniciado o sabático: nada básico, mas bem lindo


abaixo, o inventário com os números do ano passado e, em parênteses, o número atual.
minha dúvida, nos últimos dias, era se eu ia prosseguir pelo segundo ano seguido sem comprar. já estava me achando, ah ah ah, quando me dei conta de que não é preciso. 365 dias são suficientes. e findo o sabático, eu NÃO vou sair correndo para comprar 17 coisinhas novas. aliás, não vou comprar coisinha nenhuma. meu armário tem tudo o que eu preciso.
já devo ter dito e escrito isso muitas vezes, mas digo mais uma vez: vale muito a pena fazer um sabático assim. primeiro, você vai se divertir. segundo, você vai se fortalecer. terceiro, você vai ter orgulho de você.

inventário 10.dez.2018 e 10.dez.2019 (quando não há parênteses é porque não mudou)
25 pares de sapato - incluindo havaianas, galochas, bota de caminhada e tênis de corrida (16)
05 cachecóis 
07 casacos/jaquetas (06)
02 ponchos
09 casacos/blusas/coletes de tricô ou lã (07)
05 camisetas manga curta (06)
03 camisetas manga longa (02)
09 blusas/camisas manga curta (05)
04 blusas/camisas manga longa (05)
05 regatas (04)
05 calças de malha (03)
08 calças jeans/sarja/veludo (04)
06 agasalhos malha/moletom (02)
03 macacões
18 vestidos manga curta 
08 vestidos manga longa (07)
04 saias (05)
02 shorts (04)
08 lenços 
10 bolsas (07)
04 mochilas/bolsas de compras/bolsa para bike

meu professor Tarchin Hearn, um homem de uma luz cristalina e bela, diz que o desapego não tem nada a ver com "não ter nada". ele me ensinou que desapego é quando vivemos uma vida sem nos prendermos às coisas - e isso pode ser uma casa na praia, uma bolsa, inveja ou raiva. você pode doar todos os seus sapatos e suas propriedades, por exemplo, e seguir sendo uma pessoa sovina, amarga e triste.
que possamos sempre aproveitar o momento. e ser felizes.

Tarchin em Botucatu, em 2017

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