os dias nada divertidos passados ora na cama, ora no sofá

nós éramos três. morávamos na última casa da rua, que era uma rua sem saída. antes da reforma, a casa era pequena e ocupava metade do terreno. a outra metade era ocupada pelo jardim. brincávamos muito. tanto em casa e no quintal quanto na rua. naquela época os pais eram corajosos e deixavam os filhos na rua até a noite chegar, hora em que as crianças voltavam pra casa contra a sua vontade para tomar banho, jantar e dormir.
nós três tentávamos brincar juntos, mas era difícil. meu irmão, dois anos mais velho, tinha mais energia que nós duas. minha irmã, dois anos mais jovem do que eu, aceitava brincar, mas não lembro da nossa interação. e eu era uma chata. 
brincávamos de playmobil. e para horror do meu irmão, a minha brincadeira era sempre, sempre a mesma. eu escolhia um boneco homem e um boneco mulher, que formavam um casal. eu escolhia peças para uma pequena casa e cerca, e montava a casa deles, cercada. lembro de às vezes escolher um guarda que cuidava da casa deles. essa era a minha brincadeira, sempre a mesma. com os bonecos do meu irmão havia brigas, lutas, mortes, pessoas voavam.
eu logo cansava da minha própria monotonia e pedia para sair da brincadeira. meu irmão não gostava, reclamava, mas nada me fazia querer voltar.
lembrei disso agora, deitada pelo terceiro dia consecutivo no sofá da sala. ah como eu queria ter uma vidinha organizada, um maridinho, um empreguinho, um salarinho no fim do mês. tudo bem organizadinho. talvez uma empregadinha pra que a minha casa não virasse uma pocilga.
eu adoeci aos poucos. primeiro, acordei com a garganta ardendo. saí pra uma reunião longa, à tarde cumpri com os afazeres de mãe. no dia seguinte, a garganta doía um pouco mais e eu achei que fosse um resfriado. trabalhei e fiz tudo o que eu tinha de fazer, mas num ritmo lento. eu estava certa. no dia seguinte acordei e não consegui nem trabalhar nem fazer nada, além de escrever um texto que era praticamente um elogio à doença.
retiro o que eu disse.



ficar doente exige doses cavalares de paciência com a dor e o desconforto. não dá pra dormir direito, não dá pra ficar acordado direito. não dá pra fazer nada. mas o pior, e era justamente sobre isso que eu tinha escrito quando falei que "não vejo a doença como um inimigo, mas como uma possibilidade", é que a cabeça não para (e eu tinha escrito sobre como é bom poder parar. mas eu não parei). pensei no bukowski. tinha acabado de ler um livro dele antes de adoecer. lembrei das doses gigantescas de bebida que ele consumia diariamente, aparentemente até o fim da vida. tomar uma ou duas garrafas de vinho faria minha dor e meu desconforto desaparecerem. mas mal consigo comer. 
talvez o pior de ficar três dias deitada não seja o desconforto de tudo. mas a vontade de ser transportada para um castelo no meio do campo e ser cuidada como uma rainha. filhos podem ajudar, comprar seis limões para o chá com gengibre e mel, mas eles não são propriamente cuidadores.
faltam pouco menos de 40 horas para o lançamento dos meus livros em porto alegre. eu fiquei pensando nesses dias o que as pessoas que têm compromissos inadiáveis fazem ao adoecer. tomam remédios milagrosos e vão? existem remédios que somem com um resfriado, uma gripe, que não inclua permanecer na posição horizontal, seja numa cama ou num sofá?
agora vamos falar do melhor. eu não arrumei nada para viajar, minha casa está um pouco bagunçada, não organizei o que ia organizar nesses dias que antecedem o fim do ano, não encontrei NENHUM amigo para me despedir de 2019. uma aula prática de como deixar de lado tudo que eu queria fazer. e perceber que isso não tem importância.
seguirei com inalações chá de gengibre suco de limão com mel sonecas no sofá bolinhas e gotinhas e comprimidinhos. e amanhã estarei em porto alegre, com ou sem dor de garganta, para uma das coisas mais emocionantes que já fiz, que é lançar um livro. no meu caso, que sou exagerada, dois livros.

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