a jarra de prata da mãe

a jarra era verde. nem claro nem escuro. e era enorme. devia caber uns três litros ali dentro. era uma jarra de plástico, que custou muito pouco. por isso eu a tinha comprado.

eu não gosto de jarras de plástico. nem de talher de plástico ou pratos ou copos. mas a jarra era usada quando vinham muitos amigos à minha casa. nela eu servia suco ou chá gelado. mas nos últimos tempos a jarra havia sido promovida para o uso diário. ficava sobre a mesona da cozinha, cheia de água. 

esta semana, a alça, que estava trincada, descolou. pronto. a jarra de plástico podia ser aposentada. 

fiquei reclamando. eu sempre reclamo quando algo que eu uso quebra. mas a minha chateação durou muito pouco. encostei uma cadeira no armário da cozinha, que vai do chão ao teto, subi nela e estiquei os meus braços o máximo que pude para pegar a jarra de prata, que estava escondida dentro de duas sacolas verdes de plástico dessas que são vendidas a oito centavos no supermercado.



lavei a jarra com alegria e cuidado. ela brilha. e justamente para continuar brilhando é que tinha sido guardada dentro de duas sacolas muito bem fechadas. a prata oxida em contato com o ar, me explicou o senhor que deu um banho de prata na jarra, quando ela estava preta. 

minha mãe tinha muitas coisas de prata. uma caixinha de guardar joias, colherinhas, um pequeno pegador (para pegar azeitonas, no máximo), algumas travessas, um prato redondo, uns vasos feiosos. e a jarra. quase tudo estava jogado numa cozinha que não é mais usada, na casa onde ela morou com o meu pai até morrer. 

um dia eu vi a jarra em meio a caixas velhas e arrebentadas de papelão, que por sua vez estavam sobre prateleiras enferrujadas na cozinha abandonada. perguntei à minha mãe se eu podia pegar a jarra, e ela disse que não. e assim a jarra permaneceu tomando pó com outros objetos esquecidos, todos jogados naquela cozinha que tinha virado um depósito. 

depois que ela morreu, coube a mim arrumar a casa. meu pai não queria mexer nas coisas dela. ao encontrar a jarra, perguntei a ele se poderia levá-la. sim, ele me disse. era a resposta que ele dava para quem pedisse qualquer coisa da casa.  

e assim a jarra veio parar na minha casa. depois de ficar prateada novamente, eu a meti no armário, de onde só era tirada em dias especiais, duas vezes por ano, quatro, talvez. 

por que eu guardava três jarras em casa? tinha outra de vidro, que quebrou uns meses atrás. finalmente temos só uma. a jarra de prata, que era usada em dias de festa na casa dos meus pais quando eu era criança. a jarra agora brilha sobre a mesa. e a prata deve oxidar. que bom! ao escurecer, vou me dar conta de que está sendo usada. 

PS - eu sempre fico abismada com o tempo que leva para eu ter, de fato, somente coisas essenciais na minha casa. e na minha vida. 

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