não te estressa, mãe

tchau. não te estressa, mãe. ele me deu um beijo e fechou a porta. 

eu estava pensando em formas de praticar a paciência. e ele veio com essa frase. ontem ligamos a TV para assistir à apuração dos votos das eleições da terra do Tio Sam. nós não assistimos TV na nossa casa. só a ligamos para ver filmes. mas ontem ligamos para ver um canal norte-americano que fazia a transmissão no YouTube.

achamos engraçada a velocidade das coisas na TV. um cenário colorido, com luzes que piscam, várias câmeras que se movem e cortam pra um apresentador e depois pra um comentarista e depois pra um repórter que está em outra cidade e volta pro estúdio. as pessoas falam rapidamente, muito rapidamente. um dos apresentadores parecia ser hiperativo, porque se mexia sem parar enquanto falava, de pé, em frente a um cenário menos colorido que o outro que estava atrás de uma bancada arredondada e gigante. 

era sobre as eleições que o meu filho falava quando me disse para não me estressar. e eu respondi pra ele que não me estresso, que ISSO não me estressa. 

mas faz uns anos, um monte de anos aliás, que eu tenho exercitado aumentar a minha paciência. um dos meus professores, Tarchin Hearn, diz que a paciência é aquilo que temos quando NÃO precisamos usar a palavra para fazer a descrição. ou seja, quando temos paciência jamais dizemos "nossa, é preciso ter paciência". é a definição mais perfeita que eu já escutei.

pois bem, eu ainda uso a palavra paciência, o que significa que... ainda tenho de treinar muito esse músculo. todos os dias a vida gentilmente nos dá o que precisamos ter naquele momento. eu sei, eu sei. mas nem sempre eu concordo com o que tenho, ha ha ha, meus quereres não são muitos, mas são gigantes. um deles é ter dinheiro para pagar os boletos. o outro é ter a pia da cozinha limpa. ha ha ha mais uma vez.


praticando esperar na estrada, tempos atrás

toda vez que me deparo com meus quereres não atendidos, eu deixo a minha civilidade descansando num canto da sala e tenho pensamentos nada elegantes. o lado bom é que depois de anos fazendo musculação com a minha paciência, estou mais forte. ufa, nem tudo está perdido. e estar mais forte significa que meus pensamentos nada bonitos vêm e vão rapidamente. não tão rápido quanto o apresentador enlouquecido da abc news, nem tão lentos como quando eu ficava (e fico) arrasada por coisas bestas como não ter dinheiro para pagar as contas.

engraçado como escrever sobre certos temas me faz ter a sensação de que estou me partindo em duas partes, e que estou colocando à mostra o que tem dentro de mim. meus órgãos, minhas tripas, meu sangue, meus ossos. mostrar só o que temos de bonito é mais confortável. e lidar com o que temos de feio (ou horrível) dá trabalho, porque exige coragem e a tal da paciência.

esta quarentena parece ter começado uns cinco anos atrás. tenho a impressão de que vivo dentro da minha casa feito um hobbit dentro da sua toca quentinha há muito, muito tempo. e parece que nunca mais saí daqui de dentro - nem para fazer compras, nem para andar na praça, nem pra nada.

existem as horas de ficar quieto, e existem as horas de sair da toca. e pra isso são necessárias doses cavalares de paciência. não podemos ter o que queremos na hora que queremos. é igual às crianças, que quando querem algo gritam e choram, como se ganhar aquilo que desejam as salvaria de um perigo. e apesar dos gritos e do choro, temos de dizer não a elas quando pedem uma bala na hora do café da manhã ou declaram que não vão pra cama porque estão brincando.   

vou lendo e estudando e meditando e refletindo para viver COM paciência. parece que é uma lição que nunca termina: todos os dias tem uma nova aula. o que é divertido pra quem gosta de aprender. 

parece que estou dando voltas e mais voltas, mas estou escrevendo sobre uma coisa só. sobre como é possível manter-se inteiro, como viver sem deixar pedaços de mim caindo por aí. soa engraçado, e acho que é engraçado mesmo. 

a vida nunca estará pronta. todo dia, há algo a ser feito. olho para a pia da cozinha e me dou conta de que tenho de lavar a louça porque uma pessoa vem ver meu apartamento, que está à venda. adoro quando pessoas vêm ver meu apartamento, porque faz com que arrumemos e limpemos a nossa toca. esse é o pensamento que vem depois de um primeiro, que sou eu reclamando que a pia está nojenta e que eu tenho de lavar tanta louça, ah-tudo-eu-tudo-eu-mas-que-cazzo-de-vida-dura. 

calar a boca dos loucos dentro de mim tem sido mais fácil com tantos anos de treino. e lá vou eu transformar o sujo no limpo, o que é glorioso. e seguir na minha toca muito bonita e cheia de comida, esperando a hora de sair daqui e ir para o mundo. 

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