o pão com manteiga bem espalhada

há os que comem qualquer coisa, de qualquer jeito. e há os que comem com gosto e, por isso, não comem qualquer coisa. nem de qualquer jeito.

ela é do segundo tipo. sempre experimentou de tudo. e com gosto. às vezes chegava em casa e me contava, animadíssima, o que tinha comido na casa de um colega da escola ou em uma festa de aniversário. e elogiava a mãe de um ou a empregada do outro, que cozinhavam MUITO bem, me contava.

quando ela trocou de escola, aos três anos, ela demorou alguns dias, acho que semanas, para se adaptar à rotina do lanche e depois, brincar. como ela come devagar, enquanto todas as crianças devoravam seus lanches e saíam correndo para brincar no gigantesco jardim, ela ficava degustando o próprio lanche até a pausa acabar. e quando ela anunciava: "tia Lyscinha, vou brincar", as outras crianças já estavam entrando na sala novamente, porque a pausa tinha terminado. a Lys me contou isso com os olhos brilhando. era uma história linda.


mas o melhor era o pão. ela não gostava do jeito que eu passava manteiga ou mel ou geleia no pão. porque eu sou rápida. aprendi a fazer tudo correndo, talvez desde quando estava dentro da barriga quentinha da minha mãe, que foi com quem aprendi a correr, sem parar, o tempo todo.

eu entregava o pão pra Lívia e então ela ia espalhando o que estivesse sobre aquela fatia, até cobri-la inteira. e assim é até hoje. eu não passo mais nada no pão da minha filha. mas quando eu estou passando manteiga no meu pão e lembro disso, damos risada. e ela diz "mas você não sabe espalhar a manteiga no pão".

eu sei passar, sim, mas não com gosto. eu preciso me concentrar toda vez que me sento para comer. eu respiro, junto as minhas mãos na frente do peito, e respiro. pra lembrar de como é bom comer, e de como é bom ter o que comer, e de como é bem perceber que estou comendo.


e eu tenho pensado nisso todos os dias desde um pouco antes do natal, quando comecei a trabalhar todos os dias sem parar, de segunda a segunda. então todo dia, quando olho pra minha xícara de café, eu me dou conta de como quase dói ficar sentada tomando o meu café e só.

eu já comi. eu já estou pronta para começar a trabalhar. então por que raios vou ficar sentada olhando pra minha xícara de café e apreciando essa bebida maravilhosa se posso lavar uma louça fazer a lista das compras organizar a mesa da cozinha separar o que será preparado para o almoço quem sabe levar o lixo na garagem estender uma roupa ligar o computador olhar a lista de tarefas do dia mandar bom dia pra minha irmã e quem sabe postar a foto da lua que eu tirei mais cedo?

então eu lembro das palavras do meu professor. "quando tomar o seu café, aprecie o seu café." e começo a rir. por que é tão difícil parar? por que quero sempre correr? por que não posso ser lenta? por que não valorizamos fazer devagar, andar devagar, falar devagar, tomar café devagar?

e então me deparo com um email e esta frase:


e lembro também de que é por isso que temos filhos. para aprendermos com eles, e nos tornamos melhores do que éramos.

é isso.

sentar. tomar o chá. ou café.

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