você não vai reclamar hoje, né?

ela era uma pedagoga maravilhosa, cujo nome não lembro. mentira, lembrei. era pilar. um nome sólido. ela falava bem, era divertida e séria ao mesmo tempo. e não tinha nenhum traço de arrogância, que é o que costuma destruir qualquer encantamento. 

e eu paguei o mico de perguntar, porque era uma palestra e tinha a parte das perguntas, o que eu podia fazer para os meus filhos pararem de reclamar. claro que eu não devo ter dito só isso. devo ter sido um pouco mais prolixa, porque isso faz uns dez anos e eu era mil vezes mais prolixa do que sou agora, quando estou na minha versão mais monja de todas. pilar respondeu com outra pergunta. você reclama muito?

sim. eu reclamava mil horas a cada 24. e claro que eu não me dava conta disso. era um hábito grudado. antigo. hábitos são excelentes para nos deixar no modo automático, fazendo todos os dias tudo sempre igual. 

pois bem. os anos se passaram, meus filhos cresceram, eu não vou mais a palestras de pedagogos e eu tenho como um dos treinos diários na minha vida não reclamar.

quando reclamamos, nos distraímos. não conseguimos prestar atenção ao que está acontecendo, porque somos tomados pela chatice de reclamar (sim, toda reclamação é uma velha ranzinza). e aí quando não conseguimos prestar atenção - ao céu que está incrivelmente azul, à planta do vaso que está crescendo muito, ao mosquito que voa ao redor do nosso corpo -, não conseguimos dar valor.

eu passei anos da minha vida, muitos deles, sem dar valor às coisas que estavam na frente do meu nariz. eu considerava tudo, desde uma casa até um chopp, como certo, garantido. é um pouco aterrorizante. ainda que seja uma bobagem você ficar ruminando o passado, perceber que você não dava valor pra sua vida é assustador. 


foi um privilégio ver o céu assim, ela me disse

eu adorava uma frase do livro zen e a arte da manutenção de motocicletas, do robert pirsig: "o que é bom e o que não é, será preciso que alguém nos explique?". acho que sim. precisamos treinar a capacidade de discernir o bom do ruim para poder separar. para tirar da nossa vida, da nossa frente e da nossa cabeça, o que não presta, o que não é saudável, o que não é bom.

tem muito mais coisa certa do que errada com a gente, e com a nossa vida. quem diz isso é o jon kabat zinn. mas não adianta nada escutar frases, fazê-las grudar na nossa mente e não mudar o que fazemos com a nossa vida.

tão simples, tão óbvio. mas por que demoro tanto pra aprender?   

...

este texto foi inspirado em um chão sujo, uma pia cheia de louça e no mau humor juvenil. 

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