a vida pode ser sexy

é engraçado, quase sinistro, como a vida fica interessante quando damos tempo para viver um dia depois do outro. hoje eu andei de roda gigante umas cinco vezes - e olha que não me aventuro em brinquedos hardcore há mais de uma década!
enquanto me concentro, as longas cortinas da enorme janela da sala voam animadamente com o vento que finalmente traz refresco. o silêncio reina na casa. as crianças voltaram de uma festa longínqua. vieram de carona com o daniel que, suíço que é, trouxe meus filhos no horário combinado - depois de alguns telefonemas e negociações quase desesperadas dos meus filhos, que queriam ir atrás de doces no condomínio lá nos cafundós; o halloween anda fazendo um sucesso desnecessário aqui na bananaland.
então vamos à roda gigante.
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"você é tão simples e tão chique", ele me falou, enquanto eu andava alegremente rumo ao trabalho. ele é um menino adorável, mora na favela, trabalha muito. quer ser jornalista, e tenho certeza de que poderá ser um dos bons.
eu caí na gargalhada. depois ele ainda falou algo, mas eu estava tão lisonjeada que não dei conta de ouvir o resto. ele é gentil, e isso transparece em tudo o que ele faz e diz. meu dia ficou feliz por causa das sinceras palavras dele. e ele é tão sincero que eu fico sem jeito.
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é a catarina, me disse a santa nalva, com o telefone na mão. catarina é a enfermeira da escola das crianças. respirei bem fundo. ela me conta que o joão pisou numa tachinha. pergunta quando ele tomou a última vacina antitetânica. sim, ele poderia ir à festa das meninas da classe lá nos cafundós, mas eu precisava observar o pé, ver se incharia e tal.
investigo na carteira de vacinação do cabra, mando uma mensagem pro pediatra e bingo!, meu filho não tomou o reforço da vacina cinco anos atrás.
ligo pro posto de saúde, pra clínica de gente abonada que paga para qualquer vacina. ok, ele poderá tomar a vacina de graça. alegria. mas só amanhã - o pé não estava inchado nem vermelho, ufa.
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leio uma reportagem daquelas que mostram váááárias pessoas que não conhecemos. mudei-meu-trabalho-e-hoje-sou-feliz. tudo lindo e maravilhoso. mas o que eu mais gostei foi do sujeito que, quando trocou de trabalho - de bem pago num banco para empreendedor num negócio incerto -, ouviu dos amigos que ele era muito corajoso. "não foi coragem, foi desespero", ele respondia.
não lembro o nome dele, nem a cara. mas acho que nunca me esquecerei da frase. ela cabe como um chapeuzinho feito sob medida para a minha cabeça. não mudei de trabalho, nem de profissão. mas quando mudei de estado civil, eu não tive coragem. só estava desesperada.
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o telefone tocou cedo. eram 7h quando escuto o toc toc toc do celular. a santa nalva me diz que vai chegar atrasada porque ficou no hospital até a 1h com o filho, que tinha quebrado o braço na escola. ela falava rápido, a ligação não estava boa.
quando chego em casa, me dou conta de que o atraso era um baita atraso. ligo, e ela me diz que está chegando.
minhas compras do supermercado jaziam no carro enquanto eu via e-mails rapidamente - tinha de sair de casa em 10, 15 minutos. saio correndo, coloco as compras no carrinho da garagem do prédio e ligo de novo. ela já estava no prédio. me sinto uma idiota por correr tanto, por achar que a santa nalva não pode se atrasar muito, por ser uma mulher medieval.
uma hora depois peço desculpas, e ela também, por se atrasar e se enrolar - ontem ela também passou parte do dia resolvendo uns pepinos.
a casa não está muito limpa, e eu estou me lixando. o que é mais importante? uma mulher que limpa ou uma mulher gentil que trabalha com delicadeza e em silêncio e dá conta de cuidar dos meus filhos?
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ele me liga pra dizer que está tenso. novo trabalho, novas oportunidades, e o monstro dele zicando tudo. conversamos. ele pergunta se estou brava. não, não estou. amigo é pra escutar e depois dizer o que pensa. adoro ver o sucesso dos meus amigos. sinto orgulho. ele está crescendo, aprendendo a se colocar. a vida como ela é, ponto. muito sexy.
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existem as pessoas com forma e as pessoas sem forma. nem é preciso se aprofundar, porque é uma coisa bem rasa: você olha pra pessoa e vê se ela tem forma ou não. em outras palavras, podemos falar de presença, de brilho, de integridade. é a tal da forma.
ele é disforme. bonito, inteligente e besta. não me decepcionei, disse pro meu analista. ao que ele respondeu: claro, não houve contato.
sim, com as pessoas disformes não há contato. não há nada. até a imagem delas evapora no ar.
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amanhã é dia de festa. uma amiga querida se casa. e sete mulheres irão juntas ao casamento. hoje minha filha acordou e perguntou "é hoje o casamento?". demorei um pouco pra entender que ela se referia ao casamento da bruna.
sete mulheres irão juntas. "eu vou ver as roupas?", pergunta a lívia. pra ela, a festa mais linda é um casamento. ela já foi a dois. quando tinha 4 anos, fomos até a praia do rosa para o casamento do dimi, meu primo. e dias atrás fomos a porto alegre para o casamento do ale, outro primo.
ela fica encantada com a noiva, o noivo, a música, os sapatos de salto alto, os vestidos de festa. acho que ela acredita no amor. e é bom ver isso. não é em vão que temos filhos: é pra melhorar o mundo.
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(...) O segredo é não correr atrás das borboletas e sim cuidar do jardim para que elas venham até você. No final das contas, você vai achar não quem você estava procurando, mas quem estava procurando por você.
mário quintana