como se escreve dru?

dezembro tem cheiro bom. faltavam uns dias pro mês começar, e eu senti o cheiro bom enquanto andava numa calçada perto de casa. fiquei pensando, e não consigo explicar. só contar.
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o guto escreve no facebook que o ano foi horrível. algo como "se pudesse, gostaria de enterrar o ano que passou". aí lembrei que o pai dele morreu faz pouco, e que a mulher dele (do pai) é chatíssima. mesmo assim, não é possível "enterrar" o que aconteceu. é preciso aceitar, e eventualmente perdoar.
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ele sabe meu nome, e eu não sei o dele. ele é podre de gostoso (será que se fala assim aqui na cidade cinza?) e sempre me dá oi com entusiasmo e beijo na bochecha. hoje descobri o que ele faz para viver, e fiquei pensando que além de gentil, gostoso e bonito, o cara é legal.
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li pras crianças "a christmas carol", do charles dickens, numa versão brasileira e adaptada para crianças. perguntei se eles não achavam que a história dava medo, e eles disseram que não. a lívia quase dormindo, o joão bordando ponto cruz, e eu tentando achar legal uma história tão adulta sendo lida para crianças. a lívia parece ter achado um saco. o joão escutou com os olhos arregalados. como é bom saber que não estou certa sempre.
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gritei e esbravejei e falei palavras horríveis no carro. ele ouviu tudo, e tive a impressão de que os olhos dele ficaram molhados. ele é pequeno mas entende muito. ele é precoce, e eu odeio essa palavra. mas a gente não escolhe o destino dos filhos. uma pena. adoraria poder fazê-lo.
mas soube disso muito cedo. o joãozinho estava na minha barriga, eu não sabia se esperava um guri ou uma guria. nem sabia o nome que a criança teria. e então meu médico abriu uma pastinha durante uma consulta e me deu um belíssimo texto do gibran. que começa assim: "vossos filhos não são vossos filhos". e então eu aprendi que os filhos são do mundo, e que eu sou o meio pelo qual eles chegaram do céu. ponto.
não sou otimista quanto ao futuro. e todos os dias tenho feito o exercício de ver e aceitar.
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íamos sair para jantar. depois ele disse que preferia um happy hour, porque ele tinha de viajar, voltar para casa. não foi rápido, mas pareceu. conversamos, e eu falei verdades que não falo pra quase ninguém. coisas que só falo pra mim.
tenho a sensação de que não nos conhecemos recentemente. porque conseguimos conversar por horas a fio, e nessa conversa cada um fala o que quer e o outro escuta.
fomos embora, e no outro dia li a mensagem que ele tinha me mandado assim que chegou em casa: agradeceu pelas gargalhadas.
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todas as pessoas pareciam caricaturas. a mulher com sua bunda gigantesca por baixo da saia justa de oncinha; o homem de rosto muito fino, cabelos crespos pretos e calça com o cinto quase no tórax; a garota de cabelos alisados saia curta blusa justa sapatos com saltos gigantescos e unhas bem pintadas; o homem na padoca de nariz grande, ombros largos e que falava alto; a secretária pateta da dentista me dizendo que ela, a dentista, estava atrasada; a mulher antipática que nunca me diz oi parando na minha frente pra dizer que eu estava "mais bonita ainda". tudo parecia um filme do fellini.
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pra mim o mês tá acabando. não marco mais nada, não irei a lugar nenhum, não me peçam nada. como a placa da serra da BR-116 que diz "use freio motor". talvez por um milhão de dólares mude de ideia, mas gostaria de não receber nenhuma proposta indecente. não é cansaço, é concentração.
escreverei sobre isso. sobre o trabalho que dá dizer não. e o trabalho que dá enxergar: ele não é o homem da minha vida, o outro é um ogro, há amigos que não são amigos, a outra só reclama e eu não vou mais escutar. tudo dá trabalho, e a minha barriga não vai ficar dura por causa disso. o outro faz piadinhas idiotas, mas ele bailou na curva - tipo "se deu mal", em gauchês.
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barulho de pingos grossos caindo. trovões. estou sem plano NENHUM para as férias. e isso me parece o nirvana.
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amanhã vou fotografar as crianças fazendo meleca na escola. "mas você não tem medo de criar seus filhos fora da realidade?" adoro a pergunta. porque na minha realidade, que é "fora" da deles, crianças brincam de barro, crianças fazem pão e cookies, mamãe fica cansada, todos na família andam de ônibus, mamãe diz que a disney é um saco, e a vida é dura. desculpem-me os puritanos limpinhos.
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no filme do shrek que eles viam hoje à tarde enquanto eu preparava a próxima reunião com o cliente o ogro e sua fiona deslizavam no barro com os filhos pequenos. vou comprar todos os filmes do shrek, e vou assisti-los mil vezes com as crianças.
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algumas crianças aprendem a ler com 3 anos. outras com 4. e também aos 5, 6, 7, 8, 9. chegou a vez da lívia. e ela olha pra mim e pergunta: "como se escreve dru?". fiquei olhando pra ela, e então ela falou "dru, de pe-dro".
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rezo para a vida me dar a calma necessária para poder rir todos os dias.

Comentários

  1. Tita, que saudades de vc.
    Quanta beleza nessas linhas.

    "rezo para a vida me dar a calma necessária para poder rir todos os dias." <3 <3 <3

    beijos

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