a rua veneza

eu tinha de chegar ao escritório para uma reunião. ainda que chata. 
na hora de manobrar o carro na garagem, o cabra chega perto e pergunta se o carro é meu. sim, é. e então ele gentilmente mostra onde ele tirou uma lasca do para-choque do meu carro. e diz que está na obra do 122, e que vai deixar o telefone com o ferreira, na portaria, e eu digo tá bom estou indo pra uma reunião tchau.
no caminho, fico em dúvida se devo cumprir com a besta obrigação que estava sendo postergada havia mais de um mês, talvez dois: levar o carro para lavar. fiquei pedindo para minha gentil intuição se manifestar. ante o silêncio, lá fui até o posto onde lavam meu carro em poucos minutos, na esquina do prédio onde eu teria a tal da reunião.
carro limpo, vou estacionar. uma volta na rua onde sempre paro. volta na quadra. outra volta. pego outra rua, depois dou umas voltas e pego outra paralela. nada. sinto uma vontade louca de ir embora pra casa. sigo rodando. olho pra placa que indica onde estou e leio "rua veneza". encontro uma vaga. paro o meu carro limpo, desço, e bufo ao pensar que estacionei no fim do mundo. qual é a minha surpresa quando descubro que estou a uma quadra de onde sempre estaciono?
não sabia que a tal rua que eu cruzo toda vez que vou embora do escritório chamava-se veneza. nem que era uma rua bonita, apesar de cheia de carros. casas maravilhosas, velhas, grandes, cheias de jardins e árvores altas e passarinhos barulhentos. muitas ainda conservam muretas de um metro ou menos, e não têm alarme. uma boniteza.
cheguei esbaforida à reunião. que foi mais nonsense do que chata. trabalhei devagar, e atendi os telefonemas das crianças. primeiro, meu filho queria ir aos sebos perto de casa tentar vender um jogo do psp dele. depois minha filha me informava que o irmão tinha rasgado o verso que a professora tinha dado a ela - verso esse que as crianças decoram e leem ao longo de todo o ano. depois o verso foi arremessado para o telhado do estacionamento do prédio.
eu estava tentando trabalhar, e depois tentando almoçar. dá um buraco no estômago, um pouco de raiva e um pouco de impotência. lembrei da rua veneza, que estava sempre na esquina mas que eu não conhecia.
fiquei pensando em como é preciso ter curiosidade para pelo menos olharmos até as esquinas das ruas por onde passamos. e assim para a vida da gente.
sempre tem uma rua linda, uma casa antiga, uma árvore enorme que a gente não percebeu. e muito mais.

Comentários

  1. ... e ainda tem banquinha de frutas e de vez em quando aparecem vendendo uma jabuticabeira -- inteira, enorme, dando frutos, em cima de um caminhão -- cenas surreais desta cidade doida. A rua fica perto de casa e é um dos nossos caminhos de sempre -- se vc trabalha lá perto, podemos combinar um café um dia desses... Não sabia que vc tinha blog, vou acrescentar na minha lista de leitura.
    Bj!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

a minha longa história com o dr. kong

sobre a ânsia de nunca (querer) parar

o farol fechado e a pedestre boba (e feliz)