não pira, menina

ando pelo casa só de calcinha, meio atrapalhada. são 4pm e ainda não almocei - só deixei uns quiabos de molho no limão muitas horas atrás, e me perdi no horário trabalhando.
as crianças saíram. e casa está imunda e silenciosa. eu sabia que eu ia trabalhar no fim do ano, mas não pensei que trabalharia tanto. desde o dia 23 à noite, quando saí do escritório, tenho trabalhado. todos os dias, de camisola, de short, de camisola de novo. e agora de calcinha, pra ver se termino logo e vou tomar banho e cozinhar os deliciosos quiabos.
e então fiz uma lista de tantas coisas que eu fui juntando ao longo de um ou dois ou três meses, eu não me lembro mais. coisas simples como fechar as contas do mês de dezembro para mandar para o contador; e complexas, como ir até o bairro da liberdade comprar duas luminárias japonesas de papel para fazer a minha sala parecer uma sala e não um lugar que passou por algum conflito. esqueci de pagar a escola, e de fazer uma matrícula. também não combinei com a minha filha a reposição das aulas do pilates que ela perdeu porque estava deitada no sofá por quase duas semanas com caxumba.
também não organizei nada daquelas coisas que eu tão organizadamente executava quando o fim de um ano chegava. nenhum papel foi rasgado, nenhuma gaveta teve o seu conteúdo jogado no chão e arrumado. meus armários têm pó, e eu tenho a impressão de que muitas coisas não servem mais, entre roupas sapatos livros pastas de documentos e vasos de flores que nunca são usados.
então eu pensei meu deus ainda tenho algumas horas antes de viajar então vou arrumar tudo, vou ao supermercado comprar litros de espumante para terminar o ano com boas bebidas, vou jogas no lixo os pés de alface que estão na geladeira estragando porque afinal não tenho comido tantas folhas de alface como eu gostaria. e se eu saísse para correr ou andar de bicicleta?, ah, mas tem o trabalho que eu não terminei e sobre o qual estou debruçada desde as 9h deste singelo e cinza domingo pós natal.
tenho a impressão de que todas as pessoas da face da terra saíram para viajar, deixaram suas casas limpas e organizadas, suas geladeiras vazias e suas contas pagas. algumas foram pra praia, com bagagem enxuta, contendo um vestido ou uma bermuda, dois maiôs ou sungas, um par de havaianas, uma roupa decente para usar no dia 31 - e dizer que se esforçou, ah ah ah - e uma necessaire. outras foram pras montanhas, levaram botas de caminhada e um agasalho caso esfrie. e eu fiquei aqui, trabalhando, bem louca. esquecendo de meditar e de comer.
coloco as mãos na minha cintura e fico impressionada. estou muito gorda e isso deve ser superado as soon as possible. aqueles pensamentos sórdidos bestas inúteis de fim de ano vão chegando, e eu me sento aqui para escrever para mandá-los embora. o ano não vai ser diferente, e eu não vou virar uma maratonista. ah que coisa mais chata pensar que tudo vai mudar porque passa o dia 31/12 e chega o dia 1/1. que preguiça, quanta mentira.
a preguiça foi tanta que nem feliz natal eu consegui dizer este ano. tenho a impressão de que um retiro budista nos faz pensar/agir de forma diferente sem a gente perceber tudo. mas nem tudo está perdido: recebi a visita das minhas sobrinhas no fim da tarde do dia 24, e elas montaram o presépio e uma árvore - eu tinha catado, uma semana antes, uns galhos jogados em gramados perto de casa, mas não tinha feito nada com eles além de jogá-los num canto do chão da sala. e isso não é tudo: como o meu irmão não encontrou um restaurante aberto, jantou na minha casa com as meninas e a leila, minha cunhada. isso quer dizer que na ceia de natal não estávamos somente lívia e eu, como tínhamos pensado, mas a mesa cheia. com todas as seis cadeiras ocupadas. abri a geladeira e cozinhei o que tinha: nenhum peru, nenhum presunto. mas uma deliciosa linguiça de frango ao vinho, legumes assados com alecrim da minha horta, vagens no vapor, gnocchi da serra gaúcha (uma mulher prevenida vale por quantas???), azeite de oliva verde escuro da sicília, pimenta do reino, mostarda dijon muy fuerte. o melhor jantar de natal de todos. a lívia compartilhou um panettone de doce de leite que ela tinha ganhado, e frutas lindas do mercado de pinheiros completaram a delicada e deliciosa pajelança.
ah como é rica a simplicidade!
por isso neste momento não há espumante na minha casa - o único que tinha nós tomamos no natal e eu não parei de trabalhar para comprar outro - nem sorvetes ben&jerry's - minha filha e eu bufávamos às 15h da tarde do dia 24, quando conseguimos comprar figos nectarinas pêssegos nacionais uvas gaúchas bananas e cerejas e de repente tudo fechou. sem siri, sem camarões, sem sorvete. eu é que não ia torrar no sol atrás de um supermercado aberto, pelamordedeus.
a ausência de sorvete e de espumante foi uma escolha nobre. agora tomo vinho tinto com muito gelo. desculpa aí, puritanos, mas eu preciso amolecer alguns hábitos horrivelmente duros.
os quiabos não deram certo. uns 3 ou 4 eram deliciosos, mas os outros dez eram duros e eu não pude comê-los. então fui à cozinha e fiz uma couve fabulosa, verde cor de árvore quando está feliz.
venta muito, e as bolinhas de natal balaçam pra cá e pra lá nos galhos onde a helena e eu as penduramos. eu sei que estou enrolando para tomar banho almoçar terminar a edição de um texto trabalhoso fazer a minha mala pagar as minhas contas e ir dormir. por que será que pessoas sem companhia vão menos ao cinema do que pessoas acompanhadas? escreverei sobre isso quando souber a resposta. porque eu IA ao cinema assistir à biografia de yogananda, mas como combinei só comigo, não irei.
meu deus, preciso meditar. tá fazendo falta. é um horror quando o trabalho toma conta dos espaços das nossas vidsa que NÃO TÊM A VER COM TRABALHO. prometo melhorar.
após ingerir uma razoável quantidade de alho (com a couve, claro), me sinto preparada para o dia 31. xô uruca, xô mau olhado, xô coisa ruim. espantei tudo - o que é perigoso.
vou almoçar, estender a roupa, tomar banho e trabalhar. ah, e amanhã de manhã o despertador vai me acordar cedo para eu meditar.
e fui feliz pra sempre.

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