eu vou comemorar

eu fiz uma torta maravilhosa, que na verdade assou demais e ficou dura, mas mesmo assim é uma bela torta. na receita vai maçã, mas hoje eu fiz diferente e em metade da torta coloquei pêssegos nacionais, doces e saborosos.



eu vou comemorar. aliás, eu já comecei a comemorar, e por isso fiz a torta cuja receita original, que hoje eu mudei muito, é da minha mãe. a fabulosa torta de maçã da gerda.
às vezes, por falar muito rápido, expresso de forma equivocada ou tosca o que quero dizer. vou me esforçando dia a dia para ser mais lenta. isso já faz anos. mas décadas de aceleração não desaparecem num piscar de olhos. é preciso paciência. lá vou eu tentando escrever devagar o que penso rápido.
mas o que eu estou comemorando? o fato de termos feito tudo o que fizemos nos últimos dias e semanas para que o nosso país seja um lugar livre, civilizado e com alto índice de justiça e paz. 
sempre tive orgulho de ser brasileira, de ter nascido num país vasto e belo, diverso e surpreendente. e hoje eu tenho mais orgulho ainda. pensando bem, não é orgulho. é alegria.
eu nasci quando a ditadura reinava por aqui, mas na casa em que fui criada o assunto não era nem sequer citado. fui aprendendo sobre a barbárie aos poucos. e este ano aprendi um bocado. aprendi a falar sobre temas sobre os quais eu só intuía.
sou branca cor-de-fantasma e meus olhos são azuis igual bola de gude. nasci no que brasileiros consideram uma "ilha de civilidade", que é o rio grande do sul, e cresci num contexto família, tradição e propriedade, também conhecido como FTP. consegui sair do modelo princesinha ao ir contra tudo o que me foi ensinado. a cereja do bolo foi criar meus dois filhos sozinha (o que, claro, aconteceu por falta de escolha e não por vontade própria). mãe solteira, em bom português (ai não, mãe solo é uma licença poética patética).
voltando ao meu orgulho de ser brasileira, mesmo sendo chamada de francesa ou alemã, eu nunca tinha visto tantas situações de gentileza, bondade e respeito como vi recentemente neste país.
fui a uma manifestação em favor da liberdade e da alegria com a minha filha e vi país carregando bebês em cangurus junto ao peito, crianças montadas nos ombros de adultos, pessoas de todas as idades com camisetas de todas as cores e partidos e times de futebol, gentes de todas raças e tamanhos e gostos, e todos andavam e cantavam juntos.     
hoje, pra minha surpresa, eu vi outra manifestação a favor da liberdade e da alegria. eram pessoas que, como eu, querem um país mais justo e mais pacífico. sem ofensas, sem gritos, sem intolerância. com escola, com trabalho, com casa, com comida, com respeito, com delicadeza, com amor.
primeiro, vi um grupo de mulheres jovens chegando com bolo e café num garrafa térmica. mais tarde eram várias rodas com cadeiras de praia e/ou banquetas, bolos comprados ou feitos em casa, garrafas de água e térmicas com café. o cartaz "já decidiu seu voto?" estava pendurado no pescoço ou colado na camiseta de dezenas de pessoas. bordadeiras, tricoteiras e crocheteiras faziam lindos trabalhos pró democracia. um homem bordava com elas. mulheres confeccionavam flores de papel crepom. e tudo era dado de presente pra quem passasse por ali.
eu nunca tinha ido pra rua pra falar com estranhos sobre escolhas. quaisquer que fossem. eu não tenho partido político e acho que nunca terei. não idolatro ninguém, nem divino nem terreno. e estava desanimada com o fato de pouquíssimas pessoas terem votado, no primeiro turno dessas eleições, no único candidato que, segundo a minha percepção, defendia a união, a tolerância, o bem de todos. aí a vida vai me obrigando a fortalecer dois músculos básicos, o da resiliência e o da paciência.
muitas e muitas vezes me vi em situações em que havia somente um caminho a seguir. não era uma encruzilhada. e em todas as vezes segui sabendo que a vida me dá o que eu preciso. e assim será amanhã. não é uma escolha entre dois ou mais caminhos. é o ÚNICO caminho.
deve ser isso que significa "a escola da vida". sem desmerecer escola nem faculdade, o verdadeiro aprendizado é o que temos um dia depois do outro, e não no que escrevemos no caderno a partir de aulas enfadonhas. como dizia a minha avó, uma mulher cheia de frases feitas, "vivendo e aprendendo".
por tudo isso, tenho que comemorar. amanhã vai ser outro dia, e tudo o que temos feito para que este belo país seja um lugar de liberdade deve ser celebrado.
torço pra que amanhã usemos um dos órgãos fundamentais quando temos de fazer escolhas: o coração. 
        



e, para encerrar, o texto que o meu professor sugeriu que lêssemos, talvez não só agora, mas todos dos dias:


Paz a todos os seres

Paz a todos os seres

Que todos os seres sejam saudáveis e felizes
E livres do medo

Paz a todos os seres
Próximos ou distantes
Conhecidos os desconhecidos
Visíveis ou invisíveis
Reais ou imaginários
Nascidos ou ainda por nascer

Que todos os seres sejam saudáveis e felizes
E livres do medo

Paz a todos os seres
Na imaginação e além
No mundo das ideias
No mundo de memórias
E no mundo dos sonhos

Que todos os seres sejam saudáveis
E felizes e livres do medo

Paz em todos os elementos
Da terra e do ar, do fogo e da água
Preenchidos no espaço

Paz

Paz em todos os universos
Das menores células no corpo
Às maiores galáxias no espaço
Paz e luz surgindo

Paz a todos os seres
Em cada ser aqui presente
Os seres que são do passado
E os que ainda serão no futuro

Que todos os seres sejam saudáveis e felizes
E livres do medo

Paz e amor e conforto e tranquilidade
Para todos em dificuldade
Que todos os seres sejam saudáveis e felizes
E livres do medo

John Garrie Roshi

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