a qualidade da lentidão ou aquietando a louca dentro de mim

fui dar uma olhada no texto de perfil que eu tinha no LinkedIn. ainda que eu não use muito o site. e encontrei, no meio da minha descrição de mim mesma, algo como "pratico meditação mindfulness diariamente para ser cada vez mais lenta". isso é verdade. mas eu excluí a frase. que não parece agregar ou descrever uma qualidade, mas sim uma insanidade.
ontem eu havia saído de casa cedo, por volta das 9h. banho tomado, roupinha fresca, colar combinando, ia andando com a minha mochila pesada, carregando meu computador que não é tão pequeno nem tão leve quando vi, andando em minha direção, meu vizinho velhinho cujo nome eu desconheço (ou não lembro, porque eu confundo meus vizinhos velhinhos).
- bom dia!
- indo passear? - ele me pergunta, parando e dando a mão para me cumprimentar.
- indo trabalhar.
- mas a essa hora? então você é quem manda lá!
- eu trabalho em casa. mas agora estou indo para uma reunião.
seguimos o nosso caminho, ele indo pra casa, carregando sacolas plásticas verdes, do supermercado baratinho que tem perto do nosso prédio. e eu indo ao ponto de ônibus.
eu estava adiantada. tinha saído de casa uns minutos antes do necessário. achei bom poder andar devagar, pegar o ônibus e depois chegar à reunião devagar também. mas o ônibus passou logo, e como estamos em época de férias escolares, a cidade cinza não tem trânsito e suas ruas não ficam entupidas de carros. isso quer dizer que eu cheguei 35 minutos antes do começo da reunião.
vamos aproveitar, eu disse pra louca que vive dentro de mim. caso contrário, eu ia ficar procurando um lugar para tomar um café e matar o tempo - o que seria o contrário de aproveitá-lo. fui andando pelas ruas do bairro onde morei 23 anos atrás, logo que me separei pela primeira vez.

a casa abandonada e seu vizinho, um prédio gigante


 casa à espera da demolidora


o bairro cheio de casas com simpáticas escadas que levam à porta de entrada, muros baixos e vazados e rodeadas por  jardins está sumindo. no lugar dessas casas estão sendo construídos prédios. daqueles altos, com vidros espelhados e/ou coloridos, varandas amplas, câmeras de segurança em todo o entorno, instaladas no alto dos muros igualmente altos. seguranças nas calçadas, no acesso às garagens, dentro das guaritas nas entradas dos prédios.
eu entendo que pessoas gostem de morar em prédios altos e cheios de vidros e monitorados por câmeras e homens. mas eu acho estranho os bairros da cidade estarem sendo destruídos assim, vão soterrando casas e mais casas, que dão lugar a mais e mais prédios gigantes. a cidade vai ficando cada vez mais apertada, com menos espaço, com menos luz, com menos azul do céu.
andei por algumas quadras e cheguei à minha reunião com tempo para sentar, tomar um café e esperar o seu início.
reunião longuíssima. cada um dizia uma coisa. nós às vezes conseguimos ser muito, muito confusos. queremos falar rápido, não escutamos o que o outro está dizendo e fica uma conversa louca.
passadas mais de duas horas, olhei no celular e vi a mensagem do consultório da minha médica. havia um horário disponível para mim às 15h. passava do meio-dia. eu tinha de ir pra casa, almoçar e seguir para a médica, que atende num bairro muito, muito longe do bairro onde moro.
minha cabeça girava. eu não sabia que decisão tomar. queria resolver tudo rapidamente, mas não conseguia organizar o que fazer. eu olhava para o celular, pensava em levantar e sair correndo. a reunião já tinha acabado, mas as pessoas ainda estavam ali, sentadas ao redor da mesa.
calculei os tempos dos deslocamentos, respondi 'ok posso ir às 15h' e saí o mais civilizadamente que pude. andei até o ponto, subi no ônibus, desci do ônibus, andei até a minha casa, comi com o meu filho - que me esperava com a comida servida na mesa -, saí de casa, carreguei o bilhete do ônibus, fui pro ponto, subi no ônibus e cheguei à consulta. para minha sanidade, a médica estava atrasada e eu tive de ficar uns 15 ou 20 minutos sentada e em silêncio na minúscula sala de espera. "mas eu corri tanto para chegar aqui no horário" eram as palavras que soavam na minha cabeça no ritmo das batidas de um gongo.
a louca dentro de mim adora me falar merda. e aí que eu corri para chegar? eu tive de me esforçar muito para relaxar naquela cadeira estreita.
a consulta foi ótima, como costuma ser. quase duas horas depois, me despeço da doce cintia e dou risada quando explico pra ela por que prefiro voltar de ônibus e não de metrô. no ônibus vou sentadinha, fazendo nada por uma hora. no metrô, teria de trocar de trem duas vezes, encarar multidões entrando e saindo e trotando ritmadamente para embarcar em outro trem. "no ônibus eu escrevo, rezo e não faço nada", resumi.
no ônibus também você escuta histórias. como a da mulher que estava sentada atrás de mim. um homem iria ser operado no dia seguinte, e ela estava ligando para muitas pessoas, pedindo que fizessem uma corrente de oração. e para todos ela dizia "tá na mão de deus, tá na mão de deus". mas pra uma pessoa ela disse: "tá na mão de deus. só deus sabe. mas às vezes a gente pensa uma coisa e deus, outra". uma lição linda sobre resiliência.
hoje acordei mais cedo que o meu despertador. minha cabeça girava. muitas coisas para fazer. eu ainda estava deitada na cama. nessas horas, em que a cabeça da gente gira, o melhor é não fazer nada. e foi o que eu fiz. me sentei na minha almofada de meditação, olhei pras preces que eu faço toda manhã e fechei os olhos. por 30 minutos. olhos fechados, nem uma palavra, nem uma prece.
se a gente acredita que a cabeça vai parar de brincar de carrossel, ela para. mas precisamos ajudar e parar também.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

a minha longa história com o dr. kong

obrigada, SPTrans, por nos tratar como lixo

o farol fechado e a pedestre boba (e feliz)