por que deixamos de lado o que importa?

toda vez que eu vou fazer minha caminhada matinal depois de alguns dias de recesso eu me dou conta de como eu NÃO DEVERIA parar. claro que às vezes é porque estou com muito trabalho, outras porque estou fora da cidade, e vez ou outra porque estou exausta e/ou doente. as desculpas são sempre muito convincentes. mas não vou escrever sobre a alegria das práticas esportivas.
o que me intrigou muitíssimo dia desses, durante uma caminhada, foi como eu tenho deixado de lado algumas coisas que eu considero muito importantes.
é por isso que tem gente que tem um dia da semana para jantar com amigos. fica da agenda o compromisso, tipo "toda quinta-feira está ocupada", e a pessoa não marca outras coisas e de fato encontra seus amigos. eu não tenho essa agenda, mas pretendo corrigir isso.
eis que não sei por que fui dar uma olhada na minha estante de livros e desencavei um livro não muito novo, que comecei a ler. a reler, na verdade. um livro que comprei uns 20 anos atrás, quando passei a me interessar e devorar livros que falavam de vida simples.



lembrava de ter lido "your money or your life" naquela época. mas descobri que eu já tinha lido pelo menos uma outra vez, ao encontrar um papel dentro do livro onde escrevi algo relacionado aos meus filhos, e isso quer dizer que uma das vezes que eu li o livro foi depois de 2005, quando já era mãe dos meus dois descendentes.
o título do livro é uma alusão à frase que bandidos bem educados dizem ao abordar uma vítima - quando eu passei por esta experiência o garoto não teve elegância nenhuma, e disse simplesmente 'faz o que eu tô mandando, porque estou armado e não quero assustar o bebê [que era minha filha, então com 8 ou 9 anos]'. o livro traz um programa de nove passos que possibilita, segundo seus autores, que você seja dono tanto da sua vida quanto do seu dinheiro. ou, em outras palavras, que você trabalhe como meio de viver, não como meio de morrer - em inglês faz mais sentido: "make a living" (ganhar a vida) ou "make a dying" (algo como 'ir em direção à morte').
bem, o fato é que o livro, ainda que a minha edição seja antiga e traga dados igualmente velhinhos, das década de 80 e 90 do século passado, é muito pertinente, atual e super interessante.
fiquei muito intrigada. já tinha lido aquelas páginas amareladas de papel jornal pelo menos duas vezes e, mesmo assim, tudo ainda fazia sentido. que raios eu andei fazendo nos últimos 20 anos, além de criar sozinha meus dois filhos queridos e sobreviver a um divórcio um pouco nefasto? onde eu enfiei todo o dinheiro que ganhei na vida?
um dos passos do programa proposto pelos autores, Joe Dominguez e Vicki Robin, é listar tudo o que você ganhou desde que fez o primeiro trabalho até hoje. aí você soma e descobre que já ganhou dinheiro. nem vou entrar em detalhes.
e uma das maravilhas é ler inúmeras vezes o conselho dos autores em relação aos seus hábitos de consumo. no shame, no blame - tipo sem dó nem culpa (ou seria o nosso "sem dó nem piedade"?). não importa o que você fez e continua fazendo com o seu rico dinheiro. não há certos nem errados. tem só uma coisa: saiba o que você está fazendo. não seja um bocó. e para descobrir se você está sendo um bocó basta você somar tudo o que ganha por mês, descontar os gastos com o trabalho (almoços, cafés, roupas para ter uma aparência digna no escritório e todas as despesas ligadas exclusivamente ao trabalho) e dividir pelo número de horas que você trabalha no mês. o resultado mostra quanto você ganha por hora e é um bom (e útil) parâmetro para você considerar quando abre a sua carteira para pagar algo. quantas horas tenho de trabalhar para pagar esta pizza?, ou quantas horas eu ralo pra pagar uma ida ao cabeleireiro? parece loucura. mas é o contrário. quanto mais você gastar, mais terá de trabalhar. simples. 
e se você seguir os nove passos propostos, os autores dizem, você vai chegar à independência financeira. e o que seria isso? quando você tem dinheiro para bancar a sua vidinha e não precisa mais trabalhar por dinheiro. pode trabalhar só por prazer, ah ah ah.
não tem nada de engraçado, porque é um assunto sério. muito sério.

suficiente não é o mínimo (...); é o exato tanto que te satisfaz sem excessos

o Buddha disse que o desejo é a causa de todo sofrimento. é também a causa de toda compra

(...) você tem de decidir: ou você está fazendo dinheiro ou fazendo sentido (...)

os homens não querem ser ricos, só mais ricos do que outros homens


não lembro agora quantos livros eu li na minha vida desse jeito, repetidas vezes com intervalos de uma década entre uma leitura e outra. talvez "your money or your life" seja o único. o curioso disso é que a primeira vez que eu li, eu devo ter achado tudo muito novo. a segunda vez, em vez de ler em sânscrito, já devia ser em português (em inglês, nesse caso, porque acho que comprei o livro nos estados unidos). e dessa última vez o livro fez sentido do começo ao fim. como se nessas duas décadas eu tivesse, sem seguir o programa proposto pelos autores, seguido as lições sugeridas.
Joe parou de trabalhar por dinheiro aos 31 anos, quando largou o emprego que tinha na Bolsa de Nova York. Vicki parou de trabalhar por dinheiro depois disso, não lembro agora a idade que ela tinha. os caras não estão falando de teoria. e ainda trazem trocentos exemplos bem-sucedidos de seguidores do programa.
o fio condutor de todo o processo sugerido é que você seja frugal - palavra em desuso, segundo Vicki, porque ganhou uma conotação negativa. a ideia de uma vida frugal não é pra você passar perrengues, mas porque você escolhe viver uma vida mais simples - e menos cara, menos preocupada, literalmente com menos coisas.
muitas vezes durante a leitura eu me pegava pensando no meu sabático de compras - quando, em 2019, passei 12 meses sem comprar nada de roupas. e no sentido de suficiente. o que é suficiente pra mim pode ser excesso pra outro e insuficiente pra um terceiro. no ano em que não comprei nada para colocar no meu guarda-roupa, eu tinha alguns pensamentos repetidos. por que estava fazendo isso? o que é ter suficiente? estou ficando louca?
eu estava fazendo isso para descobrir o que é ter o suficiente. e não, não estava ficando louca. estava ficando sã. pulando fora do carrossel consumista e inconsciente que me dava coceiras como se fosse um mosquito me atacando numa noite calorenta.
após anos e anos de treinamento - que foi tão eficaz porque eu estava dura, não porque eu estava escolhendo ser frugal - e de três leituras de um mesmo livrinho, sinto um alívio. no fim, parece que não estamos deixando de lado o que importa totalmente. só parcialmente. porque algo dentro de nós sabe o que devemos fazer e por onde temos de seguir. basta a gente conseguir aquietar-se, que é a parte mais difícil.
a vida não tem sido em vão. e sim, há luz dentro do túnel escuro.


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