a casa da gente e o mundo ideal que não existe

não nos falávamos havia um tempo. mas uma amiga que vai fazer um evento numa faculdade me pediu a indicação de um jornalista , e eu sabia que ele, jornalista como eu, podia indicar alguém.

foi uma troca de mensagens rápida. oi, como vai?, tudo bem e você?, as crianças em casa, sim, que coisa essa quarentena que não termina nunca. aí eu disse que estávamos cozinhando muito, e que é uma coisa maravilhosa que aquece e alegra a nossa casa. ao que ele sugeriu que eu criasse um canal no youtube com vídeos sobre o tema. não sobre cozinhar, mas sobre filhos que cozinham. e lavam a louça. e limpam banheiro. 

eu fiquei com isso na cabeça por alguns dias. mas preciso de um trabalho que me remunere para pagar a escola dos meus dois filhos e comprar a nossa comida, pelo menos, e isso não acontece com canais no youtube (a menos que você seja o 1 em 1 milhão que ganha dinheiro com isso).


mas depois que a vontade de gravar vídeos passou, fiquei pensando em como eu NÃO gostaria de expor a minha vida doméstica para o mundo. e em como eu gostaria de mostrar o que não funciona e como lidar com isso. e é claro que meus filhos não têm nada a ver com a vontade da mãe deles. ponto. sem vídeos. sem canal no youtube.

criar filhos é a coisa mais divertida e mais árdua que eu já experimentei. já escrevi sobre isso. mas é sempre bom relembrar. porque temos a estranha tendência de esquecer das coisas que dão trabalho e, ao mesmo tempo, enaltecer o mundo perfeito que queremos, mas que não existe. e, como o arco-íris, por mais que busquemos a perfeição, não vamos alcançá-la. 

eu me esfolo - para ser elegante e poupá-los de termos chulos - para criar dois filhos. o que não é um privilégio meu. todos nós que criamos filhos nos esfolamos para fazê-lo. mas gostamos de ocultar essa parte. como dizia uma amiga querida que teve os dois filhos dela antes de eu ter os meus dois: "minha vida não mudou nada desde que os guris nasceram." ela não estava brincando. ela estava falando sério. mentindo pra ela e repetindo a mentira para os outros. 

a minha casa fica mais desarrumada e suja do que eu gostaria nesses dias de claustro. somos três pessoas convivendo dia e noite há cinco meses, mais ou menos (descontando duas semanas em que fiquei sozinha em casa enquanto meus herdeiros foram para a praia e as vezes em que saio para comprar comida). temos um esquema de tarefas que não é cumprido. ou melhor, é cumprido, mas sem prazo. segundo as duas pessoas com quem eu moro, lavar a louça, por exemplo, não é uma prioridade. só para mim.

claro que o mais fácil e estúpido seria eu lavar a louça. dez minutos e pronto, pia limpa! mas eu não lavo a louça que não faz parte das minhas tarefas (assim como num trabalho não irei a uma reunião em que não sou chamada). o que faz com que eu tenha vontade de chorar quando entro na cozinha às 5h para fazer um chá antes de meditar. mas eu não choro.

eu sou muito otimista. acredito nas pessoas. vejo bondade. confio. e tenho a convicção (o que também não é um privilégio meu, já que toda pessoa que cria outra faz o melhor que pode para cumprir a tarefa) de que estou fazendo o melhor que eu posso para passar aos meus filhos noções básica de civilidade, bondade, gentileza, respeito.    



faz uns dias, talvez uma semana, que tenho me esforçado para ser inflexível. o que quer dizer não fazer coisas para os outros. não fazer café. não colocar a mesa. não cozinhar. porque, segundo o meu filho, eu sou flexível e acabo cozinhando todos os dias, enquanto ele e a irmã dele são inflexíveis e só fazem o que têm de fazer quando querem. como tirar a mesa (qual é o problema de arrumar isso depois?), lavar a louça (por que você se incomoda? é só ajeitar o que está sujo para ter espaço na bancada), recolher a roupa (já vou), fazer um bolo (mas agora, mãe? pode ser amanhã?).

pendurei uma folha na porta da cozinha onde se lê INFLEXÍVEL, em letras enormes, com giz de cera roxo. e vou me esforçando muitíssimo para não esperá-los para comer, para não passar café na cafeteira grande, para não guardar a louça que está em cima da mesa. e procurando lembrar que não estou sendo uma vaca, mas uma mãe que tem de ensinar lições básicas sobre comprar verduras, limpar a cozinha, preparar refeições, arrumar a cama, assistir às aulas no horário.

é isso.

saudações da mãe INFLEXÍVEL. 

foto 1 - banoffee feita pela minha filha

foto 2 - pudim de brigadeiro feito pelo meu filho

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