como é fácil perder-se no futuro

faz uns dias que percebi que meu quarto não ficava muito iluminado quando eu acendia a luz. olhando um pouco mais atentamente, tive a impressão de que uma das lâmpadas tinha queimado. as lâmpadas ficam escondidas num vidro fosco e não dá pra ver quando uma queima. mas dá pra perceber.
peguei a escada, subi e facilmente tirei o vidro - que tem um nome, mas não lembro agora. sim, eu estava certa no meu diagnóstico. peguei uma lâmpada nova, tirei a velha, parafusei a nova e um dos macacos que mora no meu cérebro e pula a maior parte do tempo entre um pensamento e outro disse "não deve ser a lâmpada, deve ter algum fio com problema, e será preciso ligar para o Denis, pra ver quando ele pode vir aqui". a metáfora dos macaquinhos é usada pela Susan Kaiser Greenland, uma professora que ensina mindfulness para crianças e para os pais das crianças.
trocada a lâmpada, surpresa! meu quarto voltou a ficar iluminado. agora só faltava lavar o vidro, secá-lo e encaixá-lo de volta. limpeza feita, fui colocá-lo. não consegui. desci da escada, empurrei a cama, coloquei a escada mais perto e subi de novo. não consegui.
eu tinha meditado por 40 minutos, feito uma respiração especial por outros 10 minutos, escutado uma meditação guiada de um aplicativo por mais 10 minutos e ouvido a um podcast belíssimo sobre como nos tornamos uma sociedade de pessoas desconectadas (com o terapeuta e professor zen Koshin Palley Ellison) de pouco mais de uma hora e meia. e paradoxalmente me sentia um lixo. agitada e mau humorada. ah, sério?
pensei que um banho de banheira melhoraria meu péssimo humor. mas também achei que o banho demoraria muito, encher a banheira, olhar como eu não a lavei direito na última faxina, ah mas eu tenho tanta coisa a fazer. ok, banho de chuveiro também pode salvar uma pessoa do limbo do mau humor.
banho tomado. e um pensamento: tudo bem estar assim. tudo bem me sentir péssima. tudo bem não estar ok. isso era o tema da prática guiada que eu tinha escutado com outro professor bamba hoje cedo. tudo bem não estar ok. ai que alívio.
limpa e vestida dignamente, subi na escada e pensei ah, se eu pensar que agora estou mais calma e vou conseguir colocar o vidro da luminária, eu certamente terei sucesso. mas o macaco que me perturbava com agitações mentais disse ah-ah-ah-que-bobagem-é-essa-que-você-está-dizendo. subi as escadas, olhei os três largos grampos de metal que deveriam ser flexíveis a ponto de eu conseguir encaixar a borda do vidro neles. encaixei um, encaixei outro e ploft, encaixei o último. pronto. minha luminária estava montada.

o milagre: flores crescem na calçada


eu pensava desde hoje cedo em como é bizarro o meu comportamento de "isso vai passar" o tempo todo. como se daqui a uns dias eu fosse começar a ter a vida que eu ainda não tenho. como uma pessoa que dá aulas de mindfulness pode pensar uma coisa dessas? estou queimando a minha reputação.
quando eu tive o meu primeiro filho (talvez deveria escrever o segundo, porque o primeiro foi-se num aborto espontâneo sobre o qual eu nunca falo), minha cunhada Lana já tinha o filho dela, o Pedro. e ela me dizia muitas e muitas vezes que não via a hora de o Pedro crescer. eu ficava intrigada, não entendia por que ela dizia que tal idade seria melhor do que a idade daquele momento. claro que olhar pro outro é sempre mais fácil do que olhar para nós mesmos. e agora eu vejo como eu vivo pensando que quando eu for passar férias na grécia será maravilhoso, e quando eu vender meu apartamento será um alívio, e quando eu tiver um carro novamente eu vou viajar muito. e agora?
o que me faz lembrar a cara que o meu professor Tarchin Hearn fez quando eu perguntei pra ele: "como estava no rio? é um lugar fantástico, com praias lindas, não?". estávamos em são paulo, no meio do caos, e ele me olhou com cara de do-que-você-está-falando? por que eu digo que o rio é fantástico e que são paulo é cinza? por que sempre tenho algo a fazer e algum lugar a ir? por que não me sento e fico quieta?

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