faça disso o seu nirvana

ela conta a história sempre com bom humor, mas com um pouco de incredulidade também. a mãe dela foi fazer faculdade quando já tinha tido as filhas. então levava todas - três - a tiracolo. tinha uma creche na faculdade justamente para essa alunas que eram mães. mas antes de a creche exisitir - e tomara que minha memória esteja me ajudando neste momento -, a nísia levava as meninas pra faculdade e as deixava na lanchonete, enquanto ia assistir à aula.
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cheguei ao escritório com as duas mãos ocupadas. numa segurava uma mão do joão, noutra segurava uma mão da lívia. com a emprega de férias, arranjei uma substituta que, depois de um dia de trabalho, adoeceu. ela chegou à minha casa e quando fui dar bom dia ela começou a chorar, colocou uma mão sobre o estômago e começou a se retorcer. disse que fosse ao médico e depois que fosse pra casa descansar. "mas você não vai ficar brava comigo?". não, eu não ia ficar brava. nessas horas a gente não fica brava: fica furiosa ou desesperada.
as crianças adoraram. mas eu tinha uma reunião. então experimentei participar de uma reunião com uma criança de 6 anos sentada no meu colo e me fazendo perguntas durante 60% do tempo.
como tudo passa, a reunião acabou. então encontro o joão cruzando o escritório atrás de uma régua. régua em mãos, o guri começa a rastejar pelo chão perto de uns armários, para onde minha filha provavelmente tinha deixado rolar uma bolinha de metal de um joguinho desses que se compra em qualquer freeshop a caminho de nova york ou tóquio. ele não encontrou a bolinha, e eu morri de vergonha de entregar a caixinha do jogo assim, capenga, para o estevam, dono da agência.
para conseguir finalizar poucas tarefas antes de partir, dei um celular para cada filho. e enquanto eu respondia uns e-mails e resolvia umas coisas rápidas, ouvia os barulhos insuportáveis dos enlouquecedores joguinhos que VIERAM nos meus celulares, sem eu nunca ter pedido nem baixado nem comprado.
num ato de coragem e determinação, desliguei meu computador, pedi desculpas aos colegas pelo barulho, peguei nas mãozinhas das crianças e parti.
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pouco antes da minha partida, o guto olhou pra mim e disse que lembrava das vezes em que foi com a mãe dele, professora, à faculdade. "o ambiente era mais trash", disse ele. tentei respirar com alívio, mas não consegui. é trash levar filhos pro trabalho. mas pelo menos muitos e muitos já fizeram isso!
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daqui a dois dias o pai dos meus filhos vai voar do rio até são paulo para buscá-los para "as férias com o pai". todo ano é assim. dos 60 dias de férias escolares, eles passam 15 com o pai. mas, surpresa!, este ano eles não querem ir. ponto.
num primeiro momento isso significa que eu vou provar a minha sanidade pra mim mesma em 15 dias. trabalhando, sem empregada, e com dois filhos de férias em casa.
aprendi que a intuição é melhor do que o conhecimento, do que a praticidade, do que o desespero. então não fiz nada ainda. na hora de ter de agir a gente sempre sabe o que fazer.
amanhã iremos ao parque de bicicleta, os três. hoje andamos de bicicleta no pátio do prédio, e as crianças riam e diziam "que legal nós todos juntos", "que legal nossa família andando de bicicleta". eu ouvia e pensava meu deus!, e os quase 20 dias de férias que acabei de tirar com eles na casa dos avós? eles falavam como se eu NUNCA estive estado com eles nos últimos 587 dias!
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olho pra parede tomada de quadros com fotos da nossa família e respiro feliz. temos vivido uma vida muito plena. nem sempre feliz, mas sempre verdadeira. e isso, me parece, é o que importa. vivemos de verdade.
lágrimas. terei força. como diz a adriana, o peso da carga é o que conseguimos - e temos de - carregar.

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