quase 12 anos atrás: por que a simplicidade é complicada?

um dia depois de escrever sobre a minha vida com menos coisas e mais alegrias, encontro o texto que segue nos arquivos do meu computador. escrevi isso quase 12 anos atrás, no dia 31 de março de 2006. eu tinha acabo de me separar. meu filho faria 4 anos dali a 10 dias. e minha filha ia fazer 1 ano dali a 15 dias.
...
Quando resolvi me separar, para meu espanto, eu não tinha nenhum papelzinho com prós e contras, não era corna, não estava apaixonada. Foi simples. A decisão estava tomada e eu tinha de segui-la. Porque sei que é a decisão mais lúcida da minha vida. E ela, a decisão, apareceu para mim. Não foi milagre, não tive nenhuma visão. Simplesmente foi assim.
Agora só fico pensando em como casei com uma pessoa tão distante. Mas foi muito amor, tanto amor que nasceram dois filhos. Fortes, maravilhosos, e que são minhas estrelas, hoje mais do que nunca.
Tava pensando que a dor de uma separação, mesmo desejada, é tanta, que tenho de escrever pra aguentar. Mas quem vai querer ler como uma jornalista de 35 anos sobreviveu a uma separação sem dinheiro, sem emprego, com dois filhos, longe da família? Sim, nem tudo está perdido. Tenho amigos para quem posso ligar, tenho um mestre/terapeuta que me dá de presente sessões semanais valiosíssimas onde enxergo com mais clareza e sinto com mais profundidade tudo o que está acontecendo. Tenho médicos que cuidam de mim quando eu preciso e pais que, distantes, querem saber como estou e estão dispostos a ajudar.
Mas enquanto sofro da minha horrível dor, meus amigos ficam boquiabertos olhando pra linda casa pra onde me mudei há menos de 6 meses, pros lindos filhos que eu tenho, e devem ficar pensando também no meu ex-marido, um homem lindo também. Mas onde tá o resto?
O resto tá aqui. Ficou na casa, depois que ele saiu, urrando, dizendo que estava sendo enxotado, que eu era a mulher da vida dele e que ele faria tudo para me ter de volta (mas ele nunca me teve, porque nunca me enxergou, e essa é a parte mais triste desta história).
São 11am. Hum, meio cedo, mas dá pra tomar uma cerveja. Minha filha foi desmamada no fim de semana, de forma que uma ou duas latinhas de cerveja não me deixarão com nenhuma culpa.
As crianças estão fora, pela primeira vez na vida delas (digo, juntas e sem a mãe). Meu ex-marido (mas como posso chamar esse sujeito, pra não ficar tão tão tão chato?) resolveu sair com elas e com a namorada dele e com os filhos da namorada dele e com a babá dos filhos dessa moça que eu não conheço. Arrumei a mochila, as fraldas, as roupas, os sucos, as frutas, os brinquedos, os bonés, o protetor solar. O sujeito, que chegou aqui todo bonitinho, de blusa e tênis novos, só os colocou no carro e me agradeceu por eu arrumar a mochila. Mas eu não faço isso todos os dias há 4 anos?
Lá se foram eles, e eu pensei que pelo menos tem uma babazinha que deve andar de branco, bem alvo, bem limpa, pra olhar meus filhos enquanto o sujeito se distrai com a namorada e pensa que ó, a vida é tão bela.
Mas se eu ganhasse a vida sendo adivinha, eu já teria alguns clientes. Eu o avisei: em um mês você estará com uma namorada, quiçá casado. E eu acertei. E agora ele me incomoda menos, vê as crianças menos, e tem cara de bobão, não de tenso-abandonado-pela-mulher-da-sua-vida.
Um dia de cada vez, um passo de cada vez. Orações, respirações, meditação, um pouco de feng shui pela casa. Já estou começando a trabalhar, a casa está à venda e eu desejo que ela seja vendida mui logo, para eu poder achar uma casa pequena e viver ali com os meus filhos sem o sujeito achar que a casa é dele. Ai socorro.
Já dei alguns passos surpreendentes, acho. Fui ao cinema, fui ao aniversário de uma amiga. Fiz uma cortina. Passeio muito com as crianças. Tô emagrecendo muitíssimo, porque a comida não entra em grandes quantidades.
Assim que vender a casa e comprar outra, vou vender o carro potente grande caro lindo e preto e comprar um grande e bom. Será que vai demorar para eu ter todas as coisas do meu tamanho? Tudo que eu tenho hoje é grande: a casa, as roupas, o carro, o jardim cheio de árvores frutíferas, as encheções de saco do sujeito que queria levar nosso filho para viajar com a namorada dele depois de três semanas de separação.  
A pergunta é: por que a busca pela simplicidade é tão tão complicada? Porque o essencial fica escondido sob barbaridades como dinheiro, roupas de marca, carros lindos, papos imbecis? Concentração. Relaxamento. Tenho de me concentrar e relaxar o tempo todo, para não perder o fio da meada, para não ficar andando pela casa chorando, para não ficar tão tonta a ponto de não enxergar as crianças ou não conseguir carregá-las no colo, juntas, escada acima, na hora da cama.
Por que será que tudo acontece ao mesmo tempo? Comprei uma casa maravilhosa, tive uma filha (a segunda), o sujeito descolou um emprego, que era motivo de aflição profunda (a falta de emprego). E eu me separei. Louca. Louca. Ele não queria transar? Ele não te tratava bem? Ele bebe?
Nossa, como a mente humana é criativa! Eu sou tão careta, tão monótona, tão besta, que nem tem um grande motivo. Tudo continua igual, como eu disse a ele há mais ou menos três meses, quando todo o material para a reforma da casa estava comprado e a separação apareceu na minha frente como uma luz vermelha de alarme de incêndio que pisca intermitente.
Pra não dizer que nada mudou (eu continuava gorda, eu continuava cuidando, feliz, dos meus lindos filhos, eu continuava a amá-lo, eu continuava querendo voltar a trabalhar quando a minha filha tivesse 9 meses), meus olhos azuis ficaram mais azuis e menos turvos. Eu passei  a enxergar o mundo sem embaço, sem cisco no olho. Com uma clareza e uma limpidez absurdas. Só. Sem drogas de nenhum tipo. Sem sexo maravilhoso. Sem gargalhadas sonoras que eu dou quando acho algo engraçado, e eu sempre acho algo engraçado.
Se eu fumasse de novo, eu fumaria uns 50 marlboros por dia. Eu respiro tanto, suspiro tanto, gemo tanto, que 50 cigarros talvez não dessem conta.
Meus deus. De onde foi que eu tirei essa ideia? Sem marido, casa à venda, precisando de mais trabalho, precisando de mais dinheiro, sem namorado, sem sexo, sem viagens. Onde eu estava com a cabeça? Ela estava no lugar. No lugar dela. Pela primeira vez na minha vida posso ficar numa poltrona por 30 minutos falando sobre a minha vida sem ficar sem ar. Sem ficar tensa. Sem me mexer nervosamente. Posso falar por 30 minutos tranquilamente, respirando, fazendo pausas, olhando pras coisas ao redor de mim e enxergando tudo.
Meu deus, quanta coisa está por vir! Meu deus.
Eu vou respirar. Vou respirar fundo. Vou suspirar. Vou gemer. E vou dar um passo de cada vez.
E acreditar no que o meu pai sempre diz: as abóboras se ajeitam com o andar da carroça.
...
Tem sido bom.
(Todoa as fotos foram tiradas pelo Paulo Ricardo Berton. menos as duas últimas, que são da Marcia Calabrese).
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