aproveite(mos) o momento

a calçada estava cheia de gente, como sempre. e chegando perto do farol para pedestres, na frente da larga faixa para atravessar a avenida, foi ficando mais cheio. eu estava olhando pro chão e reparei num par de sandálias belíssimas. pretas, de couro, sem salto, simples e, aos meus olhos, confortáveis. fiquei olhando pras sandálias e pensando que faz tempo que eu quero ter sandálias pretas, mas agora, no meu ano sem comprar nada para ser guardado no meu guarda-roupa, nada da sandálias nem pretas nem de nenhuma outra cor.
levantei meu olhar e percebi que a dona das sandálias também usava um vestido de malha preto tão lindo quanto as sandálias. era uma mulher mestiça, parte oriental e parte traços de um pai ou uma mãe que deram a ela pernas grossas, batatas da perna enormes e quadris largos. 
o farol para os carros fechou. e o bando começou a atravessar a rua sobre a faixa larga. a mulher de preto, linda, ia andando com passos curtos e afobados, na frente de todos. tive a impressão de que ela não costumava atravessar a rua naquele trecho, porque quem conhece aquele pedaço sabe que o tempo que o farol para pedestres fica aberto é longo, tão longo que pode-se atravessar todas as pistas da avenida tranquilamente e ainda dá tempo de chegar à calçada sem ter de dar pulinhos ops-o-farol-já-abriu-meu-deus-quem-projetou-isso!
mas ela, não. ela ia andando rapidinho e de vez em quando dava um saltinho no ar, o que fazia com que ela avançasse na faixa mais veloz ainda do que todos os outros. os passinhos apressados e os saltinhos desse mulher meio oriental me fez dar risada. ela não parecia estar atrasada para um compromisso. ela parecia andar daquele jeito simplesmente porque o farol de pedestres poderia fechar antes de ela terminar a travessia no asfalto.
no mesmo dia, uma amiga de infância postou uma foto dela mesma fazendo uma careta, mãos tapando a boca e olhos arregalados, e a frase "por que todo mundo fica tão louco em dezembro?"
eu estava planejando uma ida ao interior de são paulo para assistir uma aula do meu professor. ficaria na casa de uma amiga, que sempre me hospeda nas minhas idas. fiquei de confirmar se iria mesmo, e acabei me dando conta de que meu cansaço era tão grande que melhor seria não sair de são paulo, e assistir à aula pelo computador. liguei pra ela, e na nossa curta conversa ela me disse que também estava muito cansada. em quatro dias iriam pra bahia, toda a família, e ela ainda não tinha arrumado nada. um dos filhos acabara de se mudar pra itália, pra morar com o pai, e eu me lembrei de quando o meu filho, quando tinha a idade do filho dela, mudou-se para morar com o pai e com a madrasta. minha amiga me disse que estava tudo bem, mas o tom da voz dela eu reconhecia porque já tinha passado por isso. estava tudo bem porque não há nada a fazer quando um filho precisa ir morar com o pai, quer gostemos disso ou não. mas o que mais me tocou foi ela dizer que estava com a cabeça muito cansada. eu também estava.
nesse mesmo dia, da oriental saltitante, da pergunta da minha amiga sobre a loucura que nos ataca em dezembro, da minha desistência de ir pra botucatu e da minha outra amiga falar do cérebro cansado, eu tive dificuldade de acordar e, depois de acordada, tive dificuldade para sair da cama. na redação da revista onde eu estava fazendo um trabalho de uma semana as pessoas também reclamavam. está difícil deixar o motor ligado, o meu [motor] está falhando, diziam.

calor? onde?

fiquei com a sensação de que, com a chegada do fim do ano, vamos nos dando conta de que está na hora de parar e o cansaço vai tomando proporções gigantescas. um amigo me diz que não é que estamos com o motor parando: segundo ele, o motor já parou, mas o ano ainda não acabou.
a cereja do bolo desse papo de exaustão veio com um boletim que eu recebo de um americano (eu acho) que dá aulas de meditação e de comunicação, oren jay sofer. o tema era algo como sobreviva às festas de fim de ano. e o texto tinha dicas ricas, úteis e, digamos, reconfortantes. 

  • diga não. essa é velha, mas é sempre bom lembrar dela. aprenda a dizer não com gentileza. e seja mil vezes mais feliz
  • trate-se bem. uau, essa também é velha, ainda que não aprendamos nenhuma lição sobre o tema na infância, nem em casa nem na escola. bem, se for necessário explicar o que é isso é sinal de que estamos muito longe de tratar-nos bem. então, sem explicações e mãos à obra (ou, melhor, mãos ao descanso, ah ah ah)
  • agradeça de verdade. essa eu acho que não foi do boletim do oren, mas de outro boletim, de uma galera de fala de e prega a prática de mindfulness. tire você mesmo do modo automático ao agradecer, e ANTES de dizer obrigado, reflita sobre o quê você está agradecendo. por que você é grato neste momento? aí então diga obrigado. essa é muito boa
  • e agora a dica premium (esta sim do oren). durante as festas, mantenha os dois pés no chão. claro que não literalmente. mas esteja conectado com você mesmo. respire fundo quando escutar algo que não o agrada, procure não responder, ou dê uma resposta trá lá lá tipo "ah, que interessante, mas não gostaria de falar sobre isso agora". e se o ambiente estiver tenso, coloque literalmente os dois pés no chão, ou sinta o seu corpo tocando a cadeira onde você está sentado, ou junte suas mãos uma na outra e sinta a temperatura dela. ou tudo isso ao mesmo tempo
eu me dei férias. desempregados não têm férias, é claro. mas as minhas férias são do tipo boas e baratas. meus filhos foram viajar, e eu fiquei sozinha em casa. disse não à tentadora ideia de viajar com os meus filhos para passar o natal no sul do país. porque eu estava cansada, precisava descansar e colocar algumas coisas em ordem (dentro de mim). isso é uma atitude de tratar-se bem. estou dormindo muito, organizando algumas coisas práticas do dia a dia, relaxando e tomando decisões importantes. sobre o agradecer, esta é uma tarefa a ser cumprida. mandar mensagens de gratidão ao meu pai e à minha irmã, que amorosamente estão com os meus filhos neste momento e pelos próximos dias. e sobre manter os dois pés no chão durante as festas, bem, eu não irei a festa nenhuma. mas estou bem aterrada aqui na minha casa. acabo de fazer uma faxina vamos-limpar-toda-a-sujeira-de-2018 e estou feliz da vida com a minha casa arrumada, limpinha e silenciosa.
como diz o meu professor, devemos aproveitar as coisas boas. "se você vai tomar um café, aproveite".

café na minha xicrinha de porcelana que ganhei no swishing


desejo sempre que todos saibamos aproveitar o momento. e isso não é um desejo pontual nem sazonal. eu não desejo boas festas nem um bom ano. eu desejo um "aproveite todos os dias, os bons e os não bons também". é o que temos para o momento. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

sobre a ânsia de nunca (querer) parar

a minha longa história com o dr. kong

o farol fechado e a pedestre boba (e feliz)