o perrengue nosso de cada dia

eu tenho uma amiga que dá os parabéns toda vez que alguém pede demissão ou, melhor, é demitido. "foi demitido? ai que bom!", é a frase que ela adora. e sem lembrar disso, ontem assisti ao vídeo de uma palestra que ela deu sobre trabalho e propósito, e dei risada. eu me sentindo um asno, sem trabalho, sem ganhar dinheiro, e a ale nahra ali fazendo uma plateia inteira gargalhar com aquelas palavras de ordem - sejamos felizes.
mas depois das risadas que eu dei assistindo ao vídeo da tela do meu computador, o dia foi indo sem muita graça. as chances de a sensação de ser um asno tomar conta da gente quando estamos desempregados é grande, e é por isso que é preciso estar atento.


porém, diferentemente de um dia ordinário em que eu colocaria meu pijaminha e pularia na minha cama, ontem eu iria tomar uma cerveja com um amigo que estava fazendo 55 anos. eu tinha combinado comigo mesma que eu TINHA DE IR ao bar para, pelo menos, dar um abraço e um beijo e um feliz aniversário. depois podia dar tchau e ir embora. mas eu precisava chegar lá antes.
cumpri o combinando e subi o morro que separa pinheiros da vila madalena. uma maravilha. quando tinha a impressão de que estava chegando, ainda faltavam uns 3 quarteirões, os últimos, de aclive acentuado. cheguei ao bar suada e bufando.
conhecia poucas pessoas - pouquíssimas -, mas me sentei ao lado de um ex-colega de trabalho que largou o jornalismo para ser palhaço e professor de robótica para crianças. que presente a noite estava me dando! conversamos e eu ri muito. ele me contou como uma doença de uma pessoa próxima o fez mudar o jeito de ver a vida, e também o fez mudar de trabalho.
outro ex-colega de trabalho chega quando já estávamos, eu e o ex-jornalista, decididos a ir embora. e então escuto outra história de mudança de trabalho, um começo numa área nova, um mestrado. tudo novo, um caminho desconhecido e árduo, me conta o segundo ex-colega.
eu estava calma, no modo "economia de palavras", porque não queria vir com meu discurso de asno. quem nunca ficou desempregado? quem nunca criou filho sozinho? quem nunca ficou com medo de não ter dinheiro? hellooooooo. fiquei quietinha, e o máximo que falei era que estava procurando trabalho porque tinha sido demitida. ponto.
mas ir embora de um bar, mesmo quando são poucos os conhecidos, é um movimento lento. sempre tem mais uma coisinha pra dizer, ah, então tchau, sim, vamos almoçar, você ainda mora naquela ruazinha?, as crianças estão bem sim.
me despeço do aniversariante, e pergunto se ele ainda tem o escritório maravilhoso no centro velho da cidade, que eu conheci uns anos atrás e fiquei encantada. sim, ele ainda tem. mas está à venda.
oi? um escritório que ele amava, e que tinha tantas salas que algumas podiam ser alugadas para amigos/conhecidos, e que fica num prédio do começo do século passado. sim, está à venda por conta de uma conta de condomínio que soma vários milhares de reais, causada por um síndico insano e a necessidade de alguns ajustes de adequação do prédio, que é tombado.
saí de lá me sentindo muito uma pessoa como qualquer outra. só com mais emoções, talvez, por conta desta fase estonteante que é o desemprego. um dia, uma promessa de trabalho, no outro, envio de currículos para 3 ou 4 amigos, no outro, o trabalho que ia rolar mas não rolou, no outro, a lembrança de contratar um novo plano de saúde, já que o da "firma" vai acabar. e assim parece que a cada dia dou algumas cambalhotas. algumas rápidas, outras lentas. mas todas me deixam tonta.
tudo isso pra dizer que é preciso lembrar das coisas boas todos os dias. e que é preciso aproveitá-las também: ter tempo para cozinhar devagar, dormir cedo, estar com os filhos durante o dia para resolver bobagens do dia a dia, levar e buscar os filhos da escola sem ter de voltar correndo pro escritório, ver um filme à noite sem pensar que vai dormir tarde e no outro dia terá de trabalhar feito louca, deixar o carro na garagem por vários dias e só sair de casa a pé. e ainda colocar umas roupas esquisitas e sair feliz da vida de casa, afinal não vou encontrar ninguém, ah ah ah. até uma bolsinha vermelha de vovó saiu do meu armário depois de anos de confinamento.
tim-tim aos perrengues de todos os dias. e às alegrias também.

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