uma dieta para parar você

eu lembro de ter feito duas dietas daquelas que se faz para emagrecer. a primeira, quando quis parar de fumar pela primeira vez (depois eu teria de parar de fumar mais uma vez). a segunda, quando quis ter um filho e achei conveniente engravidar magra (depois eu engravidaria outra vez sem fazer nenhuma dieta antes e fiquei gigantesca).
mas ao longo da minha vida tenho colecionado outros tipos de dieta. sigo o que os meus adoráveis médicos recomendam, e costumo ficar felicíssima. uns 20 anos atrás passei 40 dias sem carboidratos. depois faria isso algumas outras vezes. depois conheci uma dieta detox daquelas que perto da segunda semana a gente tem certeza de que vai morrer, mas não só não morre como ao fim da temporada com muito caldo de verdura sente-se revigorado, mais forte, sadio e magro, é claro.
desta vez repeti uma dieta duríssima, que apesar de durar só uma semana exige esforços hercúleos. da primeira vez, fiquei uma semana trabalhando em casa - tudo acordado no escritório, de forma que eu não sairia de casa de segunda à sexta daquela semana -, mas sem filhos. isso quer dizer que virei uma mulher das cavernas. saía de casa para uma rápida caminhada ao sol de manhã cedo, e depois passava o dia em casa, sozinha, trabalhando. como a ingestão de alimentos é pífia, eu ia dormir quando anoitecia, e acordava quando amanhecia. quando terminou aquela semana e eu saí de casa para comprar tofu e voltar a comer (quase) normalmente, me senti um ser extraterrestre, fiquei tonta com o barulho dos ônibus e voltei pra casa meio apavorada.
mas desta vez o cenário era diferente. 1- eu estou desempregada, portanto minhas atividades diárias são procurar trabalho e fazer tudo o mais que uma pessoa que mora com dois filhos faz durante o dia. 2 - os meus filhos estariam em casa, iriam pra escola todos os dias e dela voltariam.
a oportunidade era imperdível. quando eu trabalho demais não há como fazer essa dieta. e eu estava aflita com a possibilidade de pegar muitos trabalhos ao mesmo tempo e ter de dizer bye bye dieta. então, corajosamente, segunda-feira comecei meus rituais detox. 
hoje foi o último dia - ou melhor, está sendo. costuma ser o pior de todos (costuma não. tinha sido o pior de todos da outra vez). mas desta vez não foi o pior de todos. uns dias foram ruins, outros foram bons, mas ontem eu acordei morrendo de medo e pensei em desistir. 
fazer dietas medievais com filhos dentro de casa é um desafio. aliás, sempre é um desafio ter filhos dentro de casa. lamúrias à parte, eu tentei não expor os meus filhos a detalhes desnecessários. então eles sabiam que eu estava sem fazer refeições e por isso não sentava com eles à mesa. e sabiam que como eu não estava comendo (eu só estava bebendo), não iria cozinhar muito pra eles. 
ou seja, uma insanidade. uma pessoa que não vai comer fica fazendo comida e lavando louça. e pensando no que vai oferecer pros filhos na refeição seguinte. e colocando pão e geleia na mesa para o café da manhã (deles).
fiquei intrigada, pensando em por que raios uma pessoa tem uma ideia dessas que eu tive. e acho que descobri: faço dietas para parar. ou melhor, para diminuir drasticamente a minha velocidade. dietas mudam o ritmo da gente. fazem a gente não fazer nada no automático, porque tudo está diferente. você não tem como fazer tudo o que faz quando está em casa se está hospedado em um hotel. numa dieta é a mesma coisa. tudo é diferente. 
ao mesmo tempo em que fui me transformando de novo na mulher das cavernas, tinha minhas meditações interrompidas pelos gritos dos meus filhos discutindo quem ia tirar ou por a mesa, quem tinha deixado não sei que luz acesa, quem ia fechar a janela. o que era pra ser uma espécie de retiro, mas dentro da própria casa, às vezes parecia uma prisão num lugar de loucos. mas isso também faz parte, a paciência e a tentativa de fazer coisas que são quase uma insanidade para uma mãe com dois filhos dentro de casa. e no meio de tudo isso terminei de ler quatro livros em cinco dias. havia muitos anos que eu não lia tanto.
amanhã vou ter um café da manhã farto (tofu com couve e broto de alguma coisa), e um almoço com arroz, depois de uma semana sem ingerir sólidos. terei de dirigir, também, depois de uma semana. a vida vai voltando ao normal, assim como voltará quando eu estiver trabalhando de novo. 
resumo de ópera: sobrevivi. mas agora vem o mais difícil: seguir lenta, calma, num ritmo são, mesmo com o barulho lá fora e com os gritos dos dois aqui dentro.  

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