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sobre a ânsia de nunca (querer) parar

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"se a gente não atrapalhar, o corpo se regenera sozinho", escreveu minha tia em uma mensagem para mim. eu estava de cama havia dois dias. fui nocauteada, literalmente. uma dor de cabeça que durou um dia inteiro. dois dias de trabalho com um certo incômodo. até que num fim de tarde tive de desligar meu computador e deitar. e feito criança, senti um alívio quando, tarde da noite, vomitei. pronto, era isso. mas não era só isso. dormia e acordava e dormia e acordava com uma inquietação. de madrugada, morta de fome, cortei uma laranja, e me deliciei pensando que era a laranja mais deliciosa que experimentara. mas quando o dia clareou, a laranja também saiu pela boca e eu mudei de ideia. nenhuma febre, nenhuma dor, exceto de barriga e um pouco na cabeça. quando eu tenho de cuidar de alguém eu me sinto muito tranquila e digo para o enfermo que já vai passar. mas eu não conseguia dizer isso pra mim mesma. dados os sintomas, é claro que eu só tinha vomitado e estava fraca. mas não pas

quem lava o fogão?

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o termômetro do celular marca 10ºC. não sinto frio. estou suando. meus planos para esta manhã eram acordar cedo, como sempre; fazer minhas práticas diárias, que incluem meditação e preces; e ler o livro cuja tradução para o português eu acabo de terminar de revisar.  mas a vida não é o que planejamos - desculpa, tita, eu sei que isso vai desapontá-la, mas você precisa exercitar sua resiliência -, e sim o que acontece. isso pra dizer que antes de o despertador tocar eu abri os olhos bem desperta. desliguei o botão do alarme e voltei a dormir. eu não parava de sonhar, e tive a impressão de que dormia muito. mas não. uma hora e meia depois eu acordei. um pouco antes das 7h. não rosnei. não disse para mim mesma que era uma imprestável por acordar tão tarde e não ficar sentadinha na minha almofada dura de meditação por uma hora. vim pra cozinha tomar o café da manhã com certa alegria. meu corpo dá sinais de exaustão. e eu os escuto. a pandemia para mim tem sido uma escola. tenho sido obriga

às mães exaustas

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deitei na cama depois de ter tomado café da manhã e comecei a chorar. as costas doem. desde a cintura até o pescoço. as noites de sono são insuficientes. não que eu durma poucas horas. é que as horas que eu durmo não são tão poderosas a ponto de fazer o cansaço passar. "você vai estourar" minha filha tem dito há dias. há quatro meses trabalho todos os dias. e agora começou a ficar insuportável. a dor nas costas me faz sofrer. então eu deitei e chorei. e relaxei com as costas doloridas.  na última semana eu tenho revivido os anos em que meus filhos eram pequenos. e tenho chorado. um, por lembrar como tive força e coragem e perceber que sobrevivi. dois, porque estou passando por isso de novo e vem tudo, as lembranças a exaustão o medo as fantasias. quando mudei meu estado civil de casada-infeliz-com-falta-de-ar para divorciada-vamos-ver-o-que-vai-acontecer, eu só estava me separando de um marido. não estava me separando dos meus filhos.  esperando o táxi pro aeroporto pra ir pr

você não vai reclamar hoje, né?

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ela era uma pedagoga maravilhosa, cujo nome não lembro. mentira, lembrei. era pilar. um nome sólido. ela falava bem, era divertida e séria ao mesmo tempo. e não tinha nenhum traço de arrogância, que é o que costuma destruir qualquer encantamento.  e eu paguei o mico de perguntar, porque era uma palestra e tinha a parte das perguntas, o que eu podia fazer para os meus filhos pararem de reclamar. claro que eu não devo ter dito só isso. devo ter sido um pouco mais prolixa, porque isso faz uns dez anos e eu era mil vezes mais prolixa do que sou agora, quando estou na minha versão mais monja de todas. pilar respondeu com outra pergunta. você reclama muito? sim. eu reclamava mil horas a cada 24. e claro que eu não me dava conta disso. era um hábito grudado. antigo. hábitos são excelentes para nos deixar no modo automático, fazendo todos os dias tudo sempre igual.  pois bem. os anos se passaram, meus filhos cresceram, eu não vou mais a palestras de pedagogos e eu tenho como um dos treinos diá

o pão com manteiga bem espalhada

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há os que comem qualquer coisa, de qualquer jeito. e há os que comem com gosto e, por isso, não comem qualquer coisa. nem de qualquer jeito. ela é do segundo tipo. sempre experimentou de tudo. e com gosto. às vezes chegava em casa e me contava, animadíssima, o que tinha comido na casa de um colega da escola ou em uma festa de aniversário. e elogiava a mãe de um ou a empregada do outro, que cozinhavam MUITO bem, me contava. quando ela trocou de escola, aos três anos, ela demorou alguns dias, acho que semanas, para se adaptar à rotina do lanche e depois, brincar. como ela come devagar, enquanto todas as crianças devoravam seus lanches e saíam correndo para brincar no gigantesco jardim, ela ficava degustando o próprio lanche até a pausa acabar. e quando ela anunciava: "tia Lyscinha, vou brincar", as outras crianças já estavam entrando na sala novamente, porque a pausa tinha terminado. a Lys me contou isso com os olhos brilhando. era uma história linda. mas o melhor era o pão. el

isso era pra ser um poema

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9h. reiniciei a máquina. e enquanto ela ia desligando e eu ia pra cozinha preparar um mate as palavras começaram a brotar do meu cérebro. hoje é domingo. acordei pouco depois das 5 e meia. desde que o meu despertador quebrou, na hora em que deito na cama para dormir eu falo pra mim mesma que vou acordar às 5 no outro dia. e acordo. nem sempre às 5, porque meu relógio interno tem lá suas questões. às vezes acordo meia hora antes. outras, meia hora depois. comprei um novo despertador, e depois de pagar por ele, o japonês que me atendia disse que consertaria o meu despertador quebrado. esses reloginhos são tão frágeis que eu jogava no lixo quando quebravam. mas desta vez voltei pra casa, achei o despertador quebrado que eu por algum motivo não havia jogado no lixo para reciclagem, e levei para o conserto. ironicamente, agora que sou a feliz proprietária de dois reloginhos ordinários, passei a acordar sozinha. minha ideia era fazer minhas práticas matinais - e isso inclui umas preces curti

o carroceiro

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é uma vizinhança rica. não uma riqueza de beleza, de bondade, de alegria. é uma vizinhança rica de dinheiro. basta eu atravessar a grande avenida para chegar lá. é um lugar bom para andar, porque as ruas não têm buracos nem muitos carros, há muitas árvores grandes e belas e muitos passarinhos também. tem uma pequena praça onde ainda encontro bancos para sentar e equipamentos básicos para me alongar - o trepa-trepa no parquinho das crianças e uma geringonça instalada pela prefeitura e patrocinada por um banco onde há barras para esportistas se dependurarem.   o céu sobre a rica vizinhança  tenho ido cedo andar. e ontem me deparei com um carroceiro. ele ia à minha frente, puxando seu carrinho - seria um carro com tração animal, mas na cidade onde moro é proibido, então é um carro com tração humana, o que, pra mim, é um pouco mais doloroso. eu não enxergava todo ele, só partes deles. os pés e a cabeça. dava pra ver que era um homem velho, porque ele tinha cabelos brancos. e que era um hom