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Mostrando postagens de 2018

aprendendo a dançar na chuva

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era um SPA. compulsório, mas ainda assim um SPA. labismina planejou os dias em que ficaria sozinha no feriado de natal e ano-novo. planejou do jeito que ela considera planejar. dormir, andar. correr, nadar, ler alguns livros da pilha que só cresce na mesinha de cabeceira. um ou dois dias em retiro (dentro da própria casa) e uma dieta daquelas que nem é bom anunciar entre os amigos porque não tem nada de encantador. como todo planejamento, as ideias de labismina foram abruptamente abortadas. o primeiro dia sozinha em casa transcorreu normalmente. ainda que o silêncio fosse o começo do retiro que não aconteceu. ninguém conversando, ninguém abrindo nem fechando portas senão ela mesma, nenhum ruído de passos, nenhum grito, a palavra mãe não sendo pronunciada nem uma única vez. talvez a única anormalidade tivesse sido o cansaço. labismina sentia-se exausta. justo no começo das férias. mas ela nem desconfiou do que viria. o segundo dia começou como começaria o segundo dia de qualquer pequ

aproveite(mos) o momento

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a calçada estava cheia de gente, como sempre. e chegando perto do farol para pedestres, na frente da larga faixa para atravessar a avenida, foi ficando mais cheio. eu estava olhando pro chão e reparei num par de sandálias belíssimas. pretas, de couro, sem salto, simples e, aos meus olhos, confortáveis. fiquei olhando pras sandálias e pensando que faz tempo que eu quero ter sandálias pretas, mas agora, no meu ano sem comprar nada para ser guardado no meu guarda-roupa, nada da sandálias nem pretas nem de nenhuma outra cor. levantei meu olhar e percebi que a dona das sandálias também usava um vestido de malha preto tão lindo quanto as sandálias. era uma mulher mestiça, parte oriental e parte traços de um pai ou uma mãe que deram a ela pernas grossas, batatas da perna enormes e quadris largos.  o farol para os carros fechou. e o bando começou a atravessar a rua sobre a faixa larga. a mulher de preto, linda, ia andando com passos curtos e afobados, na frente de todos. tive a impressão de

dia 9 - um ano sem comprar roupas

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passada a euforia de tomar a decisão  de ficar um ano sem comprar nenhuma roupa/sapato/acessório, minha vidinha segue. e eu fiquei pensando, a cada dia que abria meu armário: meu deus, quanta coisa tem aqui dentro! a decisão calhou com um trabalho em que eu tenho de sair de casa - coisa rara nesses dois anos trabalhando como jornalista freelancer em casa. resolvi fazer um inventário do que mora no meu guarda-roupa, que será comparado com um novo inventário em 2019, quando meus 365 dias sem comprar roupas chegar ao fim. fiquei um pouco escandalizada. eu nunca tinha contado as peças de roupa do meu armário. só os sapatos, que há anos tento manter em menos de 20 pares - mais do que isso é muita baixaria. mas contar 26 vestidos me fez parar e contar novamente. não era possível. não interessa que são vestidos de dez anos, vestidos que eu ganhei de amigas, vestidos de mais de dez anos, vestidos de liquidação (um deles custou R$ 49, eu lembro). interessa é que são quase 30 cabides, um com

dia 1 - um ano sem comprar roupas

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existem as ideias que precisamos amadurecer, dar um tempo para pensar. e existem as ideias que já vêm prontinhas, que não nos deixam em dúvida. hoje enquanto eu meditava eu tive uma ideia desse segundo tipo. na verdade, eu resgatei uma ideia de uns anos atrás que eu nunca tive coragem de pôr em pratica. e agora me parece que este é o momento correto para fazer a ideia virar uma ação. não estou criando nada, mas estou precisando de um desafio para colocar no lugar o meu consumismo. éramos 18 mulheres e dois pequenos rapazes, gustavo, de quase 2 anos, e rafael, de pouco mais de 1 ano. num determinado momento, eu fiquei em silêncio e percebi que o barulho feito por nós era quase ensurdecedor. assim é que é quando mulheres se reúnem, principalmente quando estamos celebrando. eu não lembro de ter feito um swishing - encontro de mulheres para troca de roupas que não usam mais - com tanta gente. talvez já tenha feito. mas costumeiramente somos em menor número. eu ia tirar fotos das comidas

parando. de reclamar. e de correr.

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eu só lembro do primeiro nome dela. Pilar. é um nome inesquecível. era uma palestra sobre educação, possivelmente focada nos primeiros sete anos da criança. Pilar falava maravilhas. uma delas sobre a importância de as crianças terem lugares pra se mexer dentro de casa - um colchão velho em frente à TV, pra que elas possam ficar pulando enquanto assistem algo na tela, ou uma rede pra elas poderem se balançar. ela é uma mulher de poucas palavras, e de palavras diretas. ela me disse duas coisas que eu nunca mais esqueci. 1 - eu levantei a mão e disse que no meu pequeno apartamento não cabia uma rede, ao que ela respondeu "você pode derrubar uma parede". 2 - eu levantei a mão novamente e disse que meu filho passava o dia todo reclamando. o que eu poderia fazer? ela, maravilhosa, perguntou: "você reclama muito?" ah ah ah, nada como estar na frente de uma pessoa inteligente, forte e direta para aprender lições valiosíssimas. o exercício de NÃO reclamar é diário. talvez

eu não acredito em milagres, mas eles existem

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"tirou B na prova." "melhor aluno, articulado, responsável, adequado. é o único que sabe todas as respostas." "só vou elogiar, tira de letra. é bem esperto." "se esforça. contribui de forma positiva. opina, argumenta." "nota [para ele] não é um problema." "A na prova, B+ no trabalho, B na apresentação." "a participação dele em aula é incrível. ele está acima da classe." ... existem pessoas que mudam. em algumas, a mudança acontece aos 16 anos. ... foram duas reuniões. nas duas, eu tinha a impressão de que estava no lugar errado. ou que estavam falando de outra pessoa. ou que eu não estava entendendo. ou que algum milagre tinha acontecido. ... eu não acredito no sistema escolar tradicional. nunca acreditei. nunca disse aos meus filhos que eles precisavam tirar uma nota x ou y. ao contrário: sempre disse a eles que eu não dava (e continuo não dando) a mínima para notas. é um sistema cretino, que massacra as

dezembro, o mês perfeito para desentulhar a vida da gente

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quanto menos você tem, mais livre você é. isso não fui eu que inventei, e na verdade ainda estou engatinhando na arte de ter uma vida simples, não cheia de coisas, mas ao contrário: só com as coisas necessárias. (em inglês o oposto de só ter as coisas necessárias é uma palavra maravilhosa, cluttering. e o ato de se livrar das coisas inúteis é decluttering. não temos em português uma palavra com esse significado. na verdade a tradução de clutter é bagunçar, entulhar. então declutter seria desentulhar. a tradução do dicionário é limpar ou criar mais espaço em algum lugar.) foi uma bobagem. eu estava sentada em frente ao meu computador, que é a minha ferramenta de trabalho, e fui ver alguma foto no meu celular. lembrei que havia fotos tiradas havia mais de um ano ali. eu até transfiro pra minha máquina, mas não apago as do celular. quem sabe eu vou precisar de alguma foto, não é mesmo? e elas vão ficando. foi então que senti uma coceira nos dedos e apaguei todas as mais de mil fotos e

por que raios um retiro de silêncio?

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eu queria tirar férias de mim mesma. sentadas em um café metido a besta na vila madalena, minha professora me olhava com seus olhos azuis claros e brilhantes enquanto eu chorava ininterruptamente. era um choro desses discretos, eu conseguia seguir contando a ela por que eu estava determinada a não ir ao retiro de silêncio que ela conduziria com o parceiro dela a partir do dia seguinte. ela escutava com os ouvidos, com o corpo todo e com o coração. as lágrimas escorriam sem trégua. iam molhando meu pescoço, e eu seguia falando. vez ou outra ela dizia algo como "tita, vai ser muito bom se você for ao retiro", ou "pense e decida, porque ir ao retiro será muito benéfico para você".  eu sabia o que ela estava querendo dizer, mas eu sou cabeção e estava certa da minha decisão. eu não iria. depois de uma hora e meia de conversa, nos despedimos gentilmente na esquina de uma rua tão íngrime que há um corrimão no meio da calçada, para as pessoas terem onde apoiar suas mãos

tentando não levar uma vidinha de merda

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meu relacionamento com órgãos públicos e serviços de atendimento ao consumidor não costuma ser amigável. tenho raiva da lerdeza e da burocracia num nível tamanho que não consigo enxergar quando as coisas FUNCIONAM. mas com a SPTrans, com quem tenho de ter uma relação por conta de dois filhos que andam de ônibus e para isso utilizam bilhetes de estudante, está sendo diferente. descobri faz pouco que existe um posto de atendimento à população no centro da cidade - por telefone não existe atendimento, porque o 156 da prefeitura não informa lhufas, e pelo site é um caminho tortuoso, um incrível teste de paciência e resiliência. esse posto costuma ter filas que dão várias voltas. algo perto de 100 pessoas ou mais. porque como em todo sistema ineficiente, tem uma fila para dar uma senha e informações e outra fila para o serviço propriamente dito. o posto abre às 7h, e meu sangue germânico influenciou minha decisão de chegar o mais cedo possível. nos meus planos insanos de mãe super eficien

"a vida é uma luta permanente, com avanços e retrocessos"

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tudo o que eu aprendi sobre alegria, resiliência, não julgamento e fé está de férias. fui andar para sentir no corpo o prazer de suar e esticar os músculos que todos os dias eu esqueço que tenho. mas não andei. eu me arrestei feito uma lesma infeliz pelas calçadas limpíssimas do bairro onde moro. uma senhora preta mas bem pretinha lavava o telhado de vidro da garagem de uma casa. ela estava debruçada sobre a janela aberta, onde imagino que seja o seu quarto, e segurava uma mangueira com a qual ia lavando o vidro que estava na frente e um pouco abaixo da janela. ela usava uma touca de lã justa na cabeça. cruzando a pracinha onde eu corro, mas por onde hoje eu só passei me arrastando, outra senhora de uniforme de empregada doméstica (aqueles vestidos de algodão abotoados na frente, com um avental combinando amarrado na cintura) e sandálias havaianas novinhas brancas com solado azul-calcinha varria a calçada e a entrada da garagem de outra casa. eram cerca de 7h.  eu ia andando e ol

eu vou comemorar

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eu fiz uma torta maravilhosa, que na verdade assou demais e ficou dura, mas mesmo assim é uma bela torta. na receita vai maçã, mas hoje eu fiz diferente e em metade da torta coloquei pêssegos nacionais, doces e saborosos. eu vou comemorar. aliás, eu já comecei a comemorar, e por isso fiz a torta cuja receita original, que hoje eu mudei muito, é da minha mãe. a fabulosa torta de maçã da gerda. às vezes, por falar muito rápido, expresso de forma equivocada ou tosca o que quero dizer. vou me esforçando dia a dia para ser mais lenta. isso já faz anos. mas décadas de aceleração não desaparecem num piscar de olhos. é preciso paciência. lá vou eu tentando escrever devagar o que penso rápido. mas o que eu estou comemorando? o fato de termos feito tudo o que fizemos nos últimos dias e semanas para que o nosso país seja um lugar livre, civilizado e com alto índice de justiça e paz.  sempre tive orgulho de ser brasileira, de ter nascido num país vasto e belo, diverso e surpreendente. e h

buscando a paz em tempos de guerra

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era um dia qualquer, num fim de semana. um domingo. e eu achava que devia colocar ordem numa parte da casa que parece não fazer muita diferença no dia a dia da minha pequena família: a área de serviço. o lugar pode ser considerado inútil quando penso que vivi um ano num apartamento sem área de serviço e sobrevivi. era nos estados unidos, onde apartamentos podem até ter uma lavadora e uma secadora de roupas, mas nunca têm área de serviço. não lembro onde eu guardava o que no brasil seriam as vassouras e lá era um rodo sinistro com uma esponja na ponta. mas tudo funcionava. com um filho bebê inclusive. mas voltando à minha área de serviço, porque eu moro no brasil e sempre tive áreas de serviço aqui. estou aqui pensando por que raios uma pessoa vai falar da sua área de serviço. bem, eu vou falar porque pela primeira vez na minha vida, pelo que minha memória dá conta, eu peguei uns panos e uma escada, além de uma esponja com detergente, e lavei o armário da área. usei uma escovinha, um

como potencializar sensações incômodas

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ele é um cabeleireiro muito ocupado. isso quer dizer que MESMO marcando hora para ser atendida, a possibilidade de ter de esperar além da hora marcada é de 150%, no mínimo. eu sei disso há uns 20 anos. faz parte. e quando sabemos que alguma coisa não andará a contento, pensamos que é mais fácil lidar com ela. por exemplo: sair de carro em são paulo no fim da tarde é sempre uma ideia infeliz. sempre. se for imprescindível sair, você prepara doses extras do seu saquinho de bom humor, coloca-os na bolsa e sai. assim eu tenho tentado lidar nas raras vezes em que vou ao cabeleireiro. reservo mais do que uma hora do meu dia, não marco nada na sequência, vou e espero. todas essas medidas deveriam ser suficientes para que eu ficasse tranquila, mas não. oh shit. eu quero funcionar sem ansiedade, mas como ela é minha amiga de longa data, ela gruda em mim feito chiclete mascado. eca! nessas horas em que estou no salão, eu fico fingindo que estou ótima, ah-que-delícia-ter-um-tempo-para-não-faze