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Mostrando postagens de 2020

os muitos passos para chegar à simplicidade

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faz dois anos este mês que eu decidi ficar um ano sem comprar roupas . na época, a decisão me deu frio na barriga, e na minha fantasia de consumidora que tenho sido ao longo dos anos, eu ficaria sem roupas (ou sem sapatos). amigas queridas me mandaram mensagens de apoio, e colocaram à disposição seus respectivos armários. eu não podia comprar, mas podia pegar emprestado ou ganhar peças de presente. na época, eu fiz uma lista do que tinha no meu armário , e sem o menor pudor publiquei o número de cada coisa - ficaram de fora pijamas, lingerie, meias, trajes de praia e roupas de corrida.  um ano depois, eu revi meu inventário e publiquei novamente a lista , com os números de 2018 e os números de 2019. eu não só não fiquei sem roupas como estranhamente o número de algumas coisas dentro do meu armário aumentou, em vez de diminuir. eu não roubei, o que era fácil, porque eu mesma tinha criado as regras e era a juíza do jogo. mas ganhei algumas roupas e transformei outras. e os empréstimos da

não tenho do que reclamar

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muitos anos atrás, quando eu estava grávida do meu primeiro filho, eu li um livro cujo título é "o que esperar quando você está esperando". ou algo assim. escrito por umas americanas pediatras, era um calhamaço com dicas adoráveis principalmente para mulheres que, como eu, seriam mães pela primeira vez. eu lembro de muitas até hoje.  uma delas dizia que nossos filhos escutam muitos nãos. e que, por isso, deveríamos manter um ambiente que a criança pudesse explorar sem muitos nãos. exemplo clássico: mesa de centro (ou de canto) da sala tomada de bibelôs. tem gente que acha ótimo o filho nunca tocar nas corujinhas de cristal ou nos elefantinhos de louça. mas parece tão mais legal você poder meter a mão e explorar (sim, crianças metem a mão e exploram e é bom que isso aconteça, porque algo depois muda e podemos virar adultos que não exploram muito ou que não exploram nada). mas por que uma pessoa fala sobre isso? meus filhos são quase adultos. não. um é adulto, o outro é quase.

não te estressa, mãe

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tchau. não te estressa, mãe. ele me deu um beijo e fechou a porta.  eu estava pensando em formas de praticar a paciência. e ele veio com essa frase. ontem ligamos a TV para assistir à apuração dos votos das eleições da terra do Tio Sam. nós não assistimos TV na nossa casa. só a ligamos para ver filmes. mas ontem ligamos para ver um canal norte-americano que fazia a transmissão no YouTube. achamos engraçada a velocidade das coisas na TV. um cenário colorido, com luzes que piscam, várias câmeras que se movem e cortam pra um apresentador e depois pra um comentarista e depois pra um repórter que está em outra cidade e volta pro estúdio. as pessoas falam rapidamente, muito rapidamente. um dos apresentadores parecia ser hiperativo, porque se mexia sem parar enquanto falava, de pé, em frente a um cenário menos colorido que o outro que estava atrás de uma bancada arredondada e gigante.  era sobre as eleições que o meu filho falava quando me disse para não me estressar. e eu respondi pra ele qu

sobre a difícil arte de deixar ir - parte II

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clean machine. eu ia escrevendo essas duas palavras toda vez que organizava minha agenda. meses se passavam, e eu sempre colocava no pé da folha do meu enorme caderno: clean machine. limpar a máquina era o que eu tinha de fazer para ter somente os arquivos necessários. mas, para fazer essa faxina no meu computador, seriam necessárias muitas horas. duas tardes. talvez três. tudo o que não é urgente é mais difícil de ser feito. e deve ter sido isso o que me levou a escrever inúmeras vezes "clean machine" na minha listinha semanal de atividades.  minha máquina, essa mesma que precisava de faxina, é lerda. é nova e é lerda. até que contatei o fabricante e descobri que a máquina não fazia algumas atualizações. eu tinha de ir até uma assistência técnica. mas, para melhorar as coisas e acabar ou diminuir meu mau humor colossal, a assistência técnica fica a menos de 500 metros da minha casa.  coloquei a máquina na mochila e fui andando bem, mas bem devagar. álcool gel, medição de tem

focando no bom

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eu comecei a fazer uma lista das coisas boas desta quarentena-que-não-termina-nunca. é uma coisa bem pessoal, pra manter a minha sanidade e me lembrar de que há coisas BOAS acontecendo todos os dias, mesmo quando estamos sem trabalho, sem um puto tostão, e sem sair de casa. lá vai.  sem mesada para os filhos. não foi uma escolha filosófica, 'ah já que estamos na quarentena pra que ganhar mesada?'. foi uma falta de escolha. mãe sem trabalho não paga mesada. e não tem culpa mesmo assim, um dos meus filhos começou a investir na bolsa. uma lição para esta mãe, que nunca guardou dinheiro na vida o uso da máscara me ensinou que quanto mais lentamente eu respiro, menos aflitivo é minha casa ficou quente. não sei explicar muito bem os três moradores do apartamento têm cozinhado a melhor torta de limão do mundo eu voltei a fazer pão aprendi a fazer fermento, cujos ingredientes são água e farinha. sim, é verdade a qualidade da comida que comemos aumentou muito. mais tempo para fazer, mai

a jarra de prata da mãe

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a jarra era verde. nem claro nem escuro. e era enorme. devia caber uns três litros ali dentro. era uma jarra de plástico, que custou muito pouco. por isso eu a tinha comprado. eu não gosto de jarras de plástico. nem de talher de plástico ou pratos ou copos. mas a jarra era usada quando vinham muitos amigos à minha casa. nela eu servia suco ou chá gelado. mas nos últimos tempos a jarra havia sido promovida para o uso diário. ficava sobre a mesona da cozinha, cheia de água.  esta semana, a alça, que estava trincada, descolou. pronto. a jarra de plástico podia ser aposentada.  fiquei reclamando. eu sempre reclamo quando algo que eu uso quebra. mas a minha chateação durou muito pouco. encostei uma cadeira no armário da cozinha, que vai do chão ao teto, subi nela e estiquei os meus braços o máximo que pude para pegar a jarra de prata, que estava escondida dentro de duas sacolas verdes de plástico dessas que são vendidas a oito centavos no supermercado. lavei a jarra com alegria e cuidado. e

às vezes eu até converso com o motorista

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 - tá um sol lindo. amanhã vai esquentar. - é, mas hoje cedo tava 9 graus. - tem gente feliz de poder usar casacos caros para o frio que estavam no armário. - é. eu doei todos os que eu tinha quando me mudei pra cá. você é de onde? - estou aqui há muito tempo. sou de pernambuco. moro aqui há 25 anos. - eu também. sou do sul. a gente vem pra cá e nunca mais volta, né? - eu quero voltar. - eu também. - ah, se fosse pro mesmo lugar, a gente já enchia um caminhão. - meu filho fará vestibular ano que vem. minha filha ainda tem três anos de escola. - a minha está fazendo enfermagem. tem 18 anos. - o meu filho também tem 18, e também faz um técnico. mas não é enfermagem, é administração hospitalar. - o sonho da minha filha é fazer medicina. mas só se conseguir uma bolsa de 100%. - o do meu filho também. mas só se for em faculdade pública. tchau. muito obrigada. tudo de bom. - tchau.

a casa da gente e o mundo ideal que não existe

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não nos falávamos havia um tempo. mas uma amiga que vai fazer um evento numa faculdade me pediu a indicação de um jornalista , e eu sabia que ele, jornalista como eu, podia indicar alguém. foi uma troca de mensagens rápida. oi, como vai?, tudo bem e você?, as crianças em casa, sim, que coisa essa quarentena que não termina nunca. aí eu disse que estávamos cozinhando muito, e que é uma coisa maravilhosa que aquece e alegra a nossa casa. ao que ele sugeriu que eu criasse um canal no youtube com vídeos sobre o tema. não sobre cozinhar, mas sobre filhos que cozinham. e lavam a louça. e limpam banheiro.  eu fiquei com isso na cabeça por alguns dias. mas preciso de um trabalho que me remunere para pagar a escola dos meus dois filhos e comprar a nossa comida, pelo menos, e isso não acontece com canais no youtube (a menos que você seja o 1 em 1 milhão que ganha dinheiro com isso). mas depois que a vontade de gravar vídeos passou, fiquei pensando em como eu NÃO gostaria de expor a minha vida do

como é fácil perder-se no futuro

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faz uns dias que percebi que meu quarto não ficava muito iluminado quando eu acendia a luz. olhando um pouco mais atentamente, tive a impressão de que uma das lâmpadas tinha queimado. as lâmpadas ficam escondidas num vidro fosco e não dá pra ver quando uma queima. mas dá pra perceber. peguei a escada, subi e facilmente tirei o vidro - que tem um nome, mas não lembro agora. sim, eu estava certa no meu diagnóstico. peguei uma lâmpada nova, tirei a velha, parafusei a nova e um dos macacos que mora no meu cérebro e pula a maior parte do tempo entre um pensamento e outro disse "não deve ser a lâmpada, deve ter algum fio com problema, e será preciso ligar para o Denis, pra ver quando ele pode vir aqui". a metáfora dos macaquinhos é usada pela Susan Kaiser Greenland, uma professora que ensina mindfulness para crianças e para os pais das crianças. trocada a lâmpada, surpresa! meu quarto voltou a ficar iluminado. agora só faltava lavar o vidro, secá-lo e encaixá-lo de volta. limpeza

carta para mim

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e se eu me tratasse bem? não como lixo mas do jeito que adultos amorosos tratam as crianças? e se ao me olhar no espelho eu jogasse fora minhas concepções tortas de mim mesma? não, isso não é piegas isso é curativo, reconfortante e pode me salvar do lixão a céu aberto em que fui jogada quando não olharam para mim nem me escutaram agora isso não tem mais importância porque entendi que eles fizeram o melhor que podiam fizeram o melhor que aprenderam com pais ocupados impacientes e medrosos quando gritam conosco aprendemos a gritar também mas quando falam olhando nos nossos olhos aprendemos a olhar os outros também olhe para você e goste de tudo é difícil mas vai te salvar porque como canta o chico até um copo vazio pode ser visto como cheio de ar comece pela casa: tire o que não gosta, livros que você nunca vai ler sapatos que machucam seus pés calças apertadas e quadros que não trazem alegria depois vá para a mesa e coma comidas que deix

e como se livrar da nuvem cinza? do mau humor?

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eu estava tomando café da manhã. no céu dava pra ver uma faixa cor de rosa. o dia estava começando. acendi uma vela, pra não precisar acender a luz (ou melhor, as luzes da cozinha, que parecem as de um set de TV). cortei meus cabelos curtos. estavam compridos. e os salões fechados. e a minha cabeleireira, que não mora em são paulo, sem poder vir pra cidade cinza há meses. cortamos, minha filha e eu. cada uma com uma tesoura. ficou ótimo, mas eu não olhava como tinha ficado na parte de trás - eu sabia que eu pegaria a tesoura para dar uma ajeitada. e nem foi preciso. a evelyn finalmente veio para são paulo, e oito dias depois de eu ter feito uma meleca capilar, ela terminou o corte. bem mais curto, para arrumar todas as cortadas que eu tinha feito uma semana antes. eu não me importo com cortar o cabelo. desde sempre. quando eu era pequena, minha mãe me levava num salão onde adultos assustadores cortavam meu cabelo com navalha. eu chorava. não lembro se minha mãe não via ou se via e nã

meu deus, como não reclamar?

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um dia sem reclamar. 24 horas. ela disse que isso era impossível. eu disse então para ela tentar um turno. uma manhã, que fosse. não, não dava. uma hora? ela disse que não dava para ficar em reclamar. umas semanas depois, meu professor dá uma lição de casa mais severa do que a que eu tinha dado para as minhas alunas. duas semanas sem reclamar. 14 vezes o desafio das 24 horas. eu sou muito crente*. o que torna mais fácil seguir o que parece difícil. por acreditar, eu me jogo do trampolim SABENDO que vai ser bom para mim. não necessariamente agradável nem divertido, mas bom. aprendendo a boiar em qualquer lugar eu também sou bem humorada. não sempre, mas quase. então dei uma risada entusiasmada quando escutei meu professor dizendo " two weeks without complaining ". ele também é uma pessoa bem humorada e deu risada ao falar da lição. ele sabe o quanto seus alunos se esgoelam pra dar conta de pôr em prática os ensinamentos sábios que atentamente escutamos, na esperança

para de correr, menina

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na história da rosinha de espinhos, uma menina recebe um feitiço de uma bruxa má, que diz que quando ela completar 15 anos ela vai furar o dedo e vai adormecer por 100 anos. e, apesar de todos os cuidados dos pais, ela de fato fura o dedo aos 15 anos e adormece. o nome mais conhecido dessa história é bela adormecida. eu fiquei imaginando o castelo onde ela teria adormecido. tudo quieto, silencioso, sem movimento. e foi essa imagem, a de um castelo em repouso, que me veio à cabeça hoje quando saí para correr. a praça que esteve vazia por três meses estava com muitos, mas muitos cachorros e seus donos. havia babás de branco e bebês, tanto no parquinho quanto dando voltas na pequena circunferência da praça do bairro. tinha dois ou três professores de ginástica, mas isso sempre teve. mesmo quando a praça estava vazia. nas calçadas havia gente andando, correndo, bebês sendo levados em seus carrinhos, homens e mulheres andando apressados rumo ao trabalho. na grande avenida que separ

desgrudando das melecas intrusas

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ela é jovem, linda, magérrima. mas por algum motivo que eu desconheço, sugeriu que fizéssemos uma dieta de desintoxicação. eu estava me preparando para isso havia meses. mas dietas de desintoxicação costumam ser medievais, e é preciso muita, mas muita coragem para começar. eu tinha achado uma boa desculpa. minha filha queria fazer, e aventuras medievais em dupla costumam ser mais encorajadoras do que as feitas sem companhia. li para a minha filha as duas dietas que eu tinha separado, para que escolhêssemos uma delas. a mais fácil. a ideia era ela fazer por uma semana, no máximo. eu seguiria um pouco mais. nos dois primeiros dias, eu passei muito mal, pela primeira vez em uma dieta dessas em que se come muito pasto, zero sal, zero açúcar, zero gordura e zero álcool. minha cabeça doía violentamente por algumas horas, entre o meio da tarde e o começo da noite. e no segundo dia, eu senti um enjoo que me fez lembrar as vezes em que, na estrada, indo ou voltando do trabalho, eu pensava que

a vida solitária em dois atos

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era 2002. eu era casada e tinha acabado de dar à luz quando decidimos nos mudar para boston. meu então marido foi aceito num programa do MIT (massachusetts institute of technology). e meu filho e eu fomos de enfeite. o alessandro passava o dia na universidade, ora no MIT, ora em Harvard, porque ele podia assistir todas as aulas que quisesse em ambas as escolas. e eu passava o dia com o pequeno joão. que tinha cinco meses quando chegamos. foi uma escolha minha. na época eu tinha um trabalho que eu adorava, como editora na abril, ganhava bem e estava de licença-maternidade. claro que eu não tinha ideia do que me esperava em boston. na verdade, cambridge, a cidadezinha universitária que fica do outro lado do rio charles e que abriga tanto o MIT quanto Harvard. a mãe em tempo integral, uma coisa que eu nunca imaginei pai e filho no jardim do prédio, depois que o inverno passou eu era mãe pela primeira vez. tudo era novidade. e morar em uma cidade desconhecida, onde meu marido

quarentena, meu amor, e o poder do UAU

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"se não estivéssemos na quarentena, você faria essa focaccia?', ela me perguntou. a ideia de fazer um pão em casa veio da minha filha. fazia anos que não assávamos um pão. isso quem fazia era a nalva, minha querida ajudante que não trabalha mais aqui em casa há alguns anos, quase quatro. eu tinha jogado no lixo uns pacotinhos de fermento biológico que eu encontrei no grande armário da cozinha na última arrumação que fiz. os fermentos estavam vencidos havia mais de dois anos. mas isso era fácil de resolver. qualquer supermercado vende fermento biológico seco. encontrei uma receita que me animou, que não levava açúcar nem leite. e fiz a primeira focaccia da minha vida. aprendi que para um bom pão deve-se usar farinha de qualidade, orgânica e fresca. e não a farinha ordinária branca comprada no supermercado. meu medo que ia dar errado foi indo embora ao longo das horas que levei para fazer a receita. são 30 minutos para o fermento borbulhar, depois duas horas para a massa cr

quarentena, meu amor

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A aula começaria às 8h. Meu professor não é brasileiro. Ele é pontual. Moramos num apartamento ensolarado e bonito, mas que, com o passar dos anos, foi ficando pequeno. Quando viemos morar aqui eu tinha 35 anos, meu filho, 3, e minha filha, 11 meses. Isso faz 14 anos. estudos na cozinha e estudos na sala Assim que começaram as aulas em casa, antes de começar a quarentena determinada pelo governo do estado de São Paulo, meu computador passou a ser usado o dia inteiro. Meu filho estuda de manhã e à tarde. Assim, comprei uma máquina nova, para conseguir organizar os trabalhos da mãe e os estudos do filho. Nessas primeiras semanas, minha filha ainda não tinha aulas pelo computador. Ela só recebia lições e as fazia à tarde. Dividíamos a mesma máquina, eu usando de manhã, ela, à tarde. Mas passadas algumas semanas, e eu não sei quantas, porque nesta quarentena a minha falta de noção de tempo aumentou barbaridades, minha filha passou a ter aulas online também. Agora fi