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Mostrando postagens de 2015

que falta faz uma mãe

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senti um alívio quando amauri saiu da estradinha com curvas assustadoras e pegou a SP-050, monteiro lobato, com curvas um pouco menos assustadoras, rumo a campos do jordão. eu estava saindo do meu refúgio do meio do mato resgatada por uma rede de amigos. tínhamos chegado dois dias antes, minha filha e eu. convidamos uma amiga da lívia, mas, com caxumba, ela não pôde ir. lívia tinha ficado boa da caxumba tinha uma semana. eu estava contente. ia passar o fim do ano no meio do mato. enchi o porta-malas de comidas e bebidas - muito de ambos. eu tinha alugado um chalé/quarto, sem sala. mas um dia antes da nossa ida, oskar me liga pra dizer que a casa da onça, essa com sala e cozinha, estava desocupada, e eu poderia ficar nela. foi a nossa escolha, quando chegamos e solange, a caseira, nos mostrou as duas opções de hospedagem. livia aproveita e se joga na rede nossa primeira refeição, quando começou a chover no meio do mato a noite é mais escura. como chovia, nem ficamos olhand

não pira, menina

ando pelo casa só de calcinha, meio atrapalhada. são 4pm e ainda não almocei - só deixei uns quiabos de molho no limão muitas horas atrás, e me perdi no horário trabalhando. as crianças saíram. e casa está imunda e silenciosa. eu sabia que eu ia trabalhar no fim do ano, mas não pensei que trabalharia tanto. desde o dia 23 à noite, quando saí do escritório, tenho trabalhado. todos os dias, de camisola, de short, de camisola de novo. e agora de calcinha, pra ver se termino logo e vou tomar banho e cozinhar os deliciosos quiabos. e então fiz uma lista de tantas coisas que eu fui juntando ao longo de um ou dois ou três meses, eu não me lembro mais. coisas simples como fechar as contas do mês de dezembro para mandar para o contador; e complexas, como ir até o bairro da liberdade comprar duas luminárias japonesas de papel para fazer a minha sala parecer uma sala e não um lugar que passou por algum conflito. esqueci de pagar a escola, e de fazer uma matrícula. também não combinei com a minh

eu esqueci que era natal

desta vez, o natal foi chegando mais devagar. uns dois meses atrás, minha filha e eu passamos por algum lugar em são paulo que já tinha uns enfeites cafonas de natal, e ela disse: "mas ainda falta tanto tempo..." sim, faltava muito tempo. e eu, que cada vez mais quero fazer tudo com lentidão, já deveria estar pelo menos pensando que o natal estava chegando. mas eu me dei ao luxo de não pensar, de não lembrar. e então não fiz lista de presentes a comprar, nem de cartões a enviar. não comprei quilos de farinha e açúcar para as crianças fazerem bolachas, nem comprei nada para os professores das crianças - exceção para um par de canecas floridas. não abri o maleiro para tirar todas as caixas com bolas vermelhas e ursinhos de madeira ou tricô, nem pendurei calendários de advento nas paredes, nos quais costumava, nos últimos 12 anos, colocar um chocolatinho por dia, "presente dos anõezinhos" para as crianças. nem presépio, nem árvore. ontem, cinco dias antes do natal,

you need tranquility

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eu acho normal falar que eu medito, e falo pra todo mundo. no trabalho, no ônibus, pros amigos, pros conhecidos, pros amigos dos meus filhos. quando você gosta, é fácil. você é um divulgador. e foi assim. um amigo queria saber sobre cursos de meditação, e eu descobri um retiro na bahia. sim. isso mesmo, um retiro na bahia. eu, calma e reservada que sou, disse pra ele, o amigo, que podíamos ir de carro. ele declinou - tanto de carro quanto de avião, não, ele não iria. eu, na hora, não me dei conta. reservei pousada voo e vaga no retiro, e fui atrás de amigos queridos para hospedar meus herdeiros por 12 ou 13 dias. ousadia.  não lembrava que o meu mantra quando meu primeiro filho nasceu era "mãe também é gente", tampouco lembrava que havia anos eu queria ficar em retiro. estava feliz da vida, e fui organizando tudo. trabalhei muito, declinei alguns convites - trabalho, jantar e tals -, consegui hospedagem pras crianças, arrumei as malas delas, coloquei resposta automática n

fazia muito tempo

fazia tempo que eu não tomava uma cachacinha que eu não dançava feliz que eu não era abraçada com volúpia por um desconhecido fazia tempo que eu não emagrecia que eu não morria de rir que a saia preta não servia e eu ando tonta de feliz tonta de forte tonta de medo eu respiro e penso na cabana onde quero ficar quieta meditando com as minhas preces e morrendo de rir eu tô tão feliz como fazia tempo desde que eu nasci eu não andava ria vivia assim.

A mala do filho

As crianças estão acostumadas a viajar desde sempre. Moramos longe dos avós deles, e também morei nos Estados Unidos logo que meu filho nasceu. Depois o pai deles foi morar no Rio de Janeiro. Viajamos – ou eles viajam – muito. Eles viajam mais do que eu. Então a mala faz parte da vida deles.  Se uma criança não sabe fazer a mala a partir da idade em que já sabe escolher uma roupa – isso seria aos 3 anos? Ou aos 5? 7? Não lembro -, ela vai ter uma certa dificuldade em cuidar da própria bagagem. E talvez se torne uma pessoa que não dá conta de separar umas mudas de roupa pra passar uns dias fora de casa. Mas a maior dificuldade, é claro, é a gente deixá-la arrumar as suas coisas. Ah que trabalho que dá aguentar um filho fazer a sua mala e não ir lá mexer em tudo o que ele arrumou. E assim foi. O João ia viajar hoje com a classe dele. Então pedi que ele separasse as roupas ontem à tarde, e eu ia dar uma olhada – coisa que eu não faço há anos, mas achei que era necessário. Ah ah ah.

liv e a vida de verdade

era um documentário. a liv ullmann falava da vida dela e, claro, da relação com ingmar bergman, pai da única filha dela. eu assisti em são paulo. numa sala de cinema. mas tenho a impressão de que foram poucas as pessoas que assistiram. eu tenho adoração por ela e por ele. e depois que vi o filme, minha adoração aumentou. como é difícil viver uma vida de verdade. numa cena do filme, ela diz que tem muita raiva, e que essa raiva ela usa para atuar. noutra parte ela diz que um dia falou pro bergman que achava um saco a carreira dela sempre estar relacionada à dele. ao que ele respondeu que ela era o stradivarius dele, e com ela (liv) ele (bergman) pode tocar/executar a arte dele. e no fim ela conta que nunca tinha usado um avião só pra ela. mas um dia ela teve um pressentimento e alugou um avião para ir a faro, ilha que fica no fim do mundo e onde eles se conheceram e bergman viveu uma grande parte da vida dele. quando ela chegou, teve tempo de se despedir dele, que estava morrendo - e

as roupas e a alegria

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eu tenho medo de um dia acordar e ser uma pessoa irrelevante. uma pessoa que não tem nada pra fazer nem pra dizer, que não vai fazer ninguém nem triste nem feliz. mas enquanto esse dia que eu temo não chega, eu vou me divertindo - e levando o medo comigo, sem deixá-lo crescer demais. chamei muitas mulheres para uma sessão vamos-nos-livrar-do-que-não-usamos-mais. eu faço essas sessões na minha casa uma ou duas vezes por ano. é assim: um dia eu pego um pedaço de papel e faço uma lista enorme de amigas conhecidas e tals que poderiam gostar de vir trocar roupas. depois olho no calendário para achar uma data. sem crianças em casa funciona melhor. data escolhida, mando e-mail. todo mundo sempre tem pelo menos uma blusinha, um cinto talvez, que não faz mais diferença dentro do armário. mas desta vez foi muito divertido ter encontrado um vídeo que fala sobre o assunto - as roupas que temos e por que devemos manter só aquelas que nos trazem alegria. o vídeo fala do livro da marie kondo,

mais sobre o fim do mundo

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- aceita cartão? - não. - aqui tem itau? - não tem banco aqui. só em serro ou diamantina. eu precisava dar um cheque para pagar o almoço. peguei meu talão de cheques e contei míseras cinco folhas. e então ela, docemente, ofereceu "trocar" meu cheque por dinheiro. 200?, perguntei. não consigo esse valor, disse ela. só 100. em são gonçalo do rio das pedras tem o essencial. para o almoço, a cleide, dona da pousada, ligou para dois ou três lugares. passava das 3 da tarde. ela então encomendou almoço para dez pessoas. ficaria pronto em 30 minutos. comemos como reis. R$ 20 para adultos, R$ 18 para adolescentes e para cada criança, R$ 10. para o passeio à cachoeira da rapadura - uma caminhada de 4 ou 7km, dependendo do interlocutor -, a cleide liga. a ideia de um jipe para as crianças voltarem ia dar certo (depois eu pegaria uma carona com o tal do jipe, porque também não aguentava mais andar). precisava comprar um shampoo. mas na vendinha onde almoçamos o shampoo tinha acab

o fim do mundo - parte I

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chegamos ao salão da pousada já era quase meio-dia. uma moça apareceu da cozinha, e eu perguntei se ainda tinha café da manhã, mesmo vendo uma mesinha posta com dois lugares. sim, tinha café. o significado da simplicidade ficou muito claro. pão, bolo de laranja, mel e melado, duas jarras com sucos naturais (e sem açúcar!) cobertas com linho e tule. na mesa, potinhos de açúcar branco e mascavo, e dois potinhos sobre um pequeno suporte de madeira, um com manteiga, outro com geleia. fui à cozinha perguntar do que era a geleia. geleia de abacaxi com hortelã, me responde a edelnice. pergunto se ela pode nos ensinar a fazer. não, não podia. não tinha tempo. estava acabando de fazer outra geleia, dessa vez de abacaxi com limão - enquanto ela ia me falando, despejava aquela geleia amarelinha nos vidrinhos, com a ajuda de uma enorme colher de pau. meu deus! em êxtase, minha filha e eu ficamos comendo, "estou comendo até morrer", me diz a lívia, alegre e serenamente. "com tan

mãe também é gente. bitte.

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Era pra ser mais um dia das mães.  Eu sempre acho que essas datas são mais bestas do que legais, mas percebi que não é bem assim quando meu filho disse que ia passar o fim de semana na casa do pai dele, no Rio de Janeiro. Justo no dia das mães. Mas como acho horrível forçar crianças a agradar adultos e suas expectativas restritas, egoístas e bestas, achei ok ele ir depois de perguntar várias vezes se ele tinha certeza de que queria passar o dia das mães com o pai dele e a madrasta. Assim, estávamos só minha filha e eu em casa no fim de semana. Sabia que queria duas coisas no domingo: não cozinhar e ganhar presente! No caso de mães que não têm maridos, cabe às próprias providenciar seus desejos – uma vantagem, uma alegria, essa coisa de não ficar esperando ninguém fazer o que você gostaria que fosse feito! Então sábado cedo fui de bicicleta até um pastifício perto de casa para comprar massas frescas e molho para o almoço de domingo. E ainda ganhei um galho enorme e lindo de ma

bonitezaterapia

chegamos ao apartamento dela tarde da noite. não era esse o plano, mas o ônibus atrasou quase duas horas. trânsito em véspera de feriado, explicou o motorista. lerdeza, me falou uma passageira ao desembarcarmos na rodoviária do rio. minha amiga tinha ficado acordada nos esperando, porque senão não conseguiria acordar para abrir a porta pra gente, me explicou. fiquei constrangida, porque quase meia-noite não é hora pra chegar na casa de ninguém, a não ser do seu marido, e olhe lá. senti um conforto ao olhar pela sala os brinquedinhos do pequeno edgar pelo chão. e ao ver nossa cama arrumada no escritório, onde a alice tinha passado algumas horas na última semana arrumando umas bagunças pra nos receber. no outro dia, ao acordar, dou de cara com o mar. as janelas do escritório davam pro mar, e a da sala também. meu deus, que bonito. a praia vazia, uma ou outra pessoa andando no calçadão, e aquele mar verde enorme liso, com navios lá no fundo, e barquinhos andando no meio daquela água to

o teto solar

quando minha mãe ficou doente, e todos sabíamos que ela ia morrer, eu tinha muita falta de ar. eu andava pela cidade com o teto solar do meu carro sempre aberto. eu tinha a sensação de que o ar que entrava pelo teto era forte para acabar com a minha falta de ar. é claro que era só uma fantasia minha. uns dias antes de ela morrer, minha filha e eu fomos sequestradas. eu fiquei com muito medo, mas tanto medo, que rezei durante os 45 minutos em que fiquei sentada na areia de um campo de futebol, numa ladeira sinistra na favela. depois eu dirigi bem bonitinha até em casa, dizendo pra minha filha que tínhamos de perdoar os malacos que haviam nos sequestrado e ido às compras com o meu cartão do banco enquanto eu e ela olhávamos formigas que andavam lentamente sobre a areia quente do campinho do futebol. quando eu cheguei em casa e encontrei meu filho - quando a gente é sequestrada a gente pensa que os malacos podem nos roubar tudo: a coragem, o carro, o dinheiro e até nosso filho que tá e

as dores que passam

o médico que fez o parto do meu filho - o meu primeiro parto - dizia que as mulheres só têm um segundo filho porque esquecem a dor. e assim sucessivamente. pois além de eu ter esquecido as dores do primeiro parto a ponto de ter tido depois o segundo parto, também esqueci da dor que é pastar na fila do consulado norte-americano mendigando um visto para cruzar a fronteira e pisar em solo estrangeiro. tinha esquecido também que o governo norte-americano faz o mesmo tipo de pergunta para um bebê de dois meses - idade em que meu filho teve o primeiro visto, quando fomos morar lá naquelas terras longínquas - e para mim. o preenchimento do formulário cujo nome não guardei leva quase duas horas. como o visto que eu estava pleiteando era para a família inteira, passei uma manhã em frente à tela do computador respondendo a perguntas como "você já falsificou um visto?" ou "você já viu alguém falsificando um visto?" (ou seria falsificando um passaporte?, não lembro). com mai

o dia dos milagres

abri os olhos e vi que tinha luz. fiquei olhando pro pequeno corredor e pensei que alguém estivesse acordado na sala, e com a luz acesa. mas a luz que eu enxergava da minha cama não era uma luz de lâmpada, era uma luz do dia. olhei no celular e vi 6:18. vi também na tela escrito "alarme". e percebi que tinha perdido a hora. eu acordo todos os dias às 5h. isso já faz alguns anos - começou quando meus filhos foram estudar na roça, que é como eu chamo carinhosamente o bairro onde fica a escola deles. também conhecido como o "o fim do mundo". pulei da cama o mais lentamente que pude e fui chamar as crianças com o máximo de doçura que consegui. eu estava saindo da cama na hora em que costumamos sair de casa. e um filminho passou pela minha cabeça - lembrei das milhares de vezes que acordei e tive de sair correndo. tipo a minha vida inteira, desde a infância até uns 30 anos (?). enquanto a água esquentava na chaleira, tomei um banho o menos loucamente que pude. perceb

sobre mulheres que não param

ela era do tipo que nunca ficava sentada. nunca. a impressão que eu tinha, conforme eu ia crescendo, era que ela tinha alguma coisa na bunda. era isso o que diziam pra nós, crianças, quando um coleguinha não ficava sentado na classe: "fulano tem um furúnculo", ou "fulano tem um percevejo no bumbum" - neste caso, acho que se referiam ao objeto que usamos para fixar folhas num quadro de cortiça. e eu achava que era isso o que a minha mãe tinha - alguma coisa na bunda, que a impedia de ficar sentada. muitos e muitos anos depois é que eu fui entender por que uma pessoa não consegue ficar sentada. nós estávamos hospedando duas meninas de 11 anos num fim de semana. faz parte da política do Cisv, que promove acampamentos de crianças e adolescentes ao redor do mundo: famílias hospedam seu filho quando ele viaja, e a contrapartida é você hospedar crianças - gringas ou brasileiras - quando os acampamentos ocorrem no brasil. dessa vez, mia, americana, e filippa, sueca, passa