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Mostrando postagens de 2016

sobre o mês de dezembro

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  O vento gelado batia e esfriava as partes do meu corpo que estavam descobertas: pernas, mãos, pescoço e cabeça. O relógio do parque marcava 16°C, um grau a mais que a temperatura divulgada pela moça do tempo do rádio, e um a menos do que marcava o termômetro do meu carro desde as 6h30 da manhã. A volta no parque é grande, e eu fiquei entediada. Quando cheguei no ponto em que eu começaria a corrida, não consegui correr. Muita leveza, muita lerdeza. Sem correr, fui andando meio borocoxô. E fiquei pensando no mês de dezembro. Fui dizendo muitos nãos ao longo do mês que ainda não terminou. Deixei de ir a uma festa onde encontraria amigos queridos de longa data. Não confirmei uma happy hour no escritório. Não marquei um encontro de amigas na minha casa que até já tinha data reservada. Nem irei jantar com as minhas amigas de infância. Por um momento fiquei desconfiada que eu tinha virado uma velha ranzinza. Mas quando uma das minhas amigas de infância com quem eu tentava marcar o j

a comida sem tempero e a alegria

olho no relógio. são 23h51. minhas amigas acabam de ir embora. inventei um jantar para celebrar que 2016 está chegando ao fim. é sempre importante ter motivos para celebrar, e usar isso como desculpa para encontrar os amigos, comer, dar risada. conversar, compartilhar.  nunca dá tempo de falar tudo o que queremos. tampouco de completar as frases que começamos. somos amigas há muitos anos. amigas como dá pra ser quando temos filhos e moramos numa cidade muito grande e temos de trabalhar e algumas de nós têm marido. mas o tempo faz as amizades serem sólidas, fortes e alegres. o jantar tinha de ser leve. uma de nós tem restrições alimentares, por conta de um tratamento. verduras, legumes, raízes. tudo orgânico. isso era tudo o que eu sabia. então preparei o jantar mais frugal da minha vida. radicchio + abobrinha e cenouras cruas em tiras + bolinhos de inhame com cebolinha grelhados com óleo de coco. havia chutneys maravilhosos, um pão integral caseiro, e eu coloquei na mesa um pão

Ah, não! - sobre a tal da tolerância

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tolerância substantivo feminino 1 ato ou efeito de tolerar; indulgência, condescendência 2 qualidade ou condição de tolerante 3 tendência a admitir, nos outros, maneiras de pensar, de agir e de sentir diferentes ou mesmo diametralmente opostas às nossas ‹nas relações sociais, a t. é uma virtude› ... eu estava andando no parque. era cedo. fazia tempo que eu não ia até o parque para andar. e estava maravilhada olhando o céu com nuvens que formavam desenhos, o sol às vezes me cegando, as árvores tão verdes nesta estação que precede o verão, o vazio do parque e do estacionamento do parque.  o céu muito azul pra me mostrar que há coisas belas e então um grupo de mulheres vem andando na direção oposta à que eu ia, e uma delas, que eu conheço de vê-la sempre andando com as amigas, diz algo como "eu vi que ele tinha ganhado". eu segui andando e pensei ah, não pode ser! segui andando e corri e terminei minha caminhada e fui pras barras fazer os alongamentos, e

o que faltava

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meditar requer prática. requer esforço. requer persistência. sentei sobre a minha surrada almofada de meditação. os vidros triplos da janela antirruído já estavam fechados, para amenizar os barulhos estridentes do trator e da serra da obra do metrô. eu estava orgulhosa: tinha meditado 40 minutos ontem à noite e agora, passadas menos de 12 horas, me preparava para meditar outros 40 minutos. mas eu não consegui. o siricutico típico que me acomete quando paro de sentir as pernas chegou. e eu me mexi, mudei de posição, senti calor, as pernas formigavam, me levantei para ligar o ventilador. depois voltei à posição sentada, mas num salto fiquei de pé e achei que não estava bom. resolvi me aprontar e partir para o escritório. era uma animação estranha. a pessoa levanta do chão e fica animadíssima ao desistir de meditar e resolver chegar cedo ao escritório numa sexta-feira cinzenta. eu tinha tido a ideia de ir de bicicleta. carro enche o saco, e numa sexta-feira um carro enche muiiiiito o

a cuca da gerda

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o melhor de ter filhos em escola Waldorf é que a escola serve pros pais também. tipo promoção de supermercado, que você compra uma mostarda maravilhosa e ganha uma colherinha de madeira linda pra servir a sua mostarda. e então os pais ganham também. não colherinhas de madeira, mas noções básicas de civilidade; saquinhos de alegria; amigos em doses alopáticas - tipo dose única de remédio, cavalar, e não 5 gotinhas -; lições práticas do que é um grupo e como lidar com as diferenças, aceitando o outro com tudo o que ele tem diferente de mim; e a "mão na massa". por mão na massa me refiro a trabalho, esforço, dedicação. e neste momento, especificamente, me refiro a fazer uma cuca!   o trabalho das meninas é sobre a mata das araucárias, cuja existência eu, uma gaúcha bem falsificada, ignorava. eu sugeri que as meninas levassem quitutes típicos da região, porque aprendemos com o cérebro, o coração e o estômago - o que é cientificamente comprovado, eh eh eh. e lá fomos

nossa vida sem a nalva

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meus filhos foram criados por duas mulheres: esta que escreve e ednalva moreira miranda, a.k.a. santa nalva. sem exageros nem pieguice, foi a nalva quem cuidou dos meus filhos, os levou para nadar na ACM quando eu não tinha dinheiro para pagar uma escola de natação, os buscou da escola e os colocou na cama enquanto eu trabalhava. não. eu não era uma executiva fodona que trabalhava 14 horas por dia ou mais. eu trabalhava o tanto que qualquer pessoa trabalha. todos os dias, uns dias mais, uns dias menos, um ou outro fim de semana quando as crianças já estavam na cama, uma ou outra noite durante a semana quando o prazo apertava. mas alguém tinha de cuidar das crianças quando eu não estava em casa, e essa pessoa era a nalva. eis que meu filho saiu de casa e minha filha aprendeu a andar de ônibus sozinha. e fomos vivendo um dia depois do outro e a nalva virou uma governanta, num apartamento pequeno, sem nenhum empregado pra ela dar ordens, com uma garota que já dava conta de chegar da es

20 anos depois

20 anos depois, eu volto à praia onde eu costumava vir com o meu marido. tudo mudou tanto, mas ao mesmo tempo é familiar. em vez de uma casinha de madeira pequena e singela e abafada, uma casa de madeira pequena, mas ampla e arejada e cheia de luz, um banheiro com janelão para o mato e telhas de vidro no teto. sem TV sem som sem internet. um retiro acidental, com as crianças felizes, energizadas, livres. muitos livros num canto, redes na sala e na varanda, uma cozinha aberta para a sala, onde eu faço qualquer coisa para comer e que é sempre é motivo de alegria. a noite é escura, preta. e tem barulhos desconhecidos para nós, que moramos na cidade grande e cinza. de manhã, a claridade entra pelos buraquinhos entre as madeiras das venezianas (ou seriam persianas?). aí eu sei que já é hora de pular da cama pra ver o sol sair por detrás do grande morro ao pé do qual estamos. não, a casa não fica na beira da praia. para ver o mar, é preciso algum esforço. andamos por uma trilha linda, c

A viagem, a coragem, a bênção

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Viajar é, antes de mais nada, um ato de coragem. ... Comecei a sentir pingos muito sutis. Escondi minha câmera fotográfica/celular sem sinal da operadora debaixo da toalha na qual eu estava enrolada e continuei meditando. Eu tinha me acordado muito cedo para ver o sol nascer. Eu sabia que a previsão era de chuva, mas coloquei o despertador para tocar às 5h10. Ontem eu tinha acordado às 5h45 e quando cheguei à praia, às 6h, o sol já estava despontando por detrás de uma nuvem que descansava sobre o mar. E o dia já estava claro. Hoje eu queria ver o dia clarear. Me aprontei lentamente e fui para a praia andar. Fui andando até a ponta da praia, mas parei um pouco antes para fotografar um banco de madeira impressionante, preto, sólido, bonito e que deve estar no lugar onde eu o encontrei há muito, muito tempo. Parei para tirar uma foto, mas senti vontade de sentar. E quando sentei de frente para o mar e para o céu cinza escuro senti vontade de meditar ali, sentada numa

desconhecidos

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hoje acordei cedo como todos os dias, fiz tudo o que eu sempre faço. o café da manhã, o banho, o vestir-se com um mínimo de decência nesse frio excessivo, a paciência com a pequena lívia que leva 30 minutos pra sair da cama e colocar uma roupa e comer um pedaço de pão, a ida até a carona dela. mas então eu voltei pra casa e fui conhecer um lugar da cidade onde eu jamais tinha estado. uma são paulo de casinhas, de pessoas andando pela rua porque as calçadas são muito estreitas, onde a avenida tem uma pista pra ir outra pra voltar, e a faixa de segurança não tem farol nenhum - nem o dos carros, e o dos pedestres. uma são paulo que cheira bem, aquele céu azul de dia frio às 7h. casinhas antigas lojinhas pequenas. uma lindeza. eu que nunca uso muita roupa estava com um casaco de couro grosso pesado que me fez suar tanto que até o meu umbigo ficou molhado. acho que os termômetros marcavam uns 8 ou 9ºC. e eu suando feliz da vida de ter entrar num trem do metrô e sair e entrar num outro e a

ao meu lado

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é engraçado perceber que meu filho cresceu em uma semana. mas é verdade: ele cresceu. quando você deixa de ver um filho todos os dias, você percebe algumas mudanças impressionantes. a primeira que eu percebi foi o pé dele. sim, o pé. ele tinha um pé de moleque, mais fino mais estreito mais curto. e dia desses ele tira as meias - segunda coisa que ele faz quando entra na minha casa, quase todo sábado. a primeira é tirar os tênis - e eu olho praquele pé e fico impressionada: mais longo, mais largo, pés de um homem. piegas. podre de piegas. mas fazer o quê? e então anotei, num papelzinho qualquer, "os pés dele". eu não queria me esquecer de escrever sobre isso. semana passada foi a vez da altura. olhei pro joão, que estava de pé ao meu lado, e não pude acreditar que ele estava mais alto que a última vez que eu o tinha visto, exatamente sete dias antes. fomos nos medir, e sim, ele me passou.  ele pediu pra ir morar com o pai dele. e eu também. era uma vontade anti

a roupa azul, o mantra, os anjos

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- você quer que eu vá? - perguntei. - não precisa. ... - só se você quiser - ele completou. ... - queria que você estivesse aqui quando acabar a cirurgia. ... eu já estava chorando. primeiro ele me mandou uma mensagem dizendo que estava com muita dor. na hora eu liguei pra ele. ele chorava um pouco e reclamava da dor e ficava em silêncio. disse a ele para pedir ajuda pra madrasta ou pra santa neide. mas ele disse que não conseguia sair da cama. liguei pro pai dele. pedi que o levasse ao médico.  depois ele me mandou uma mensagem dizendo que a madrasta já tinha dado um remédio pra dor e que eles estavam indo pro hospital. fiquei aliviada e fui almoçar. e então ele me mandou uma mensagem dizendo que ia ter de operar. eu já tinha ligado para o meu médico, e já sabia que isso podia acontecer. e então foi uma sucessão de telefonemas e mensagens. eu chorava e desliguei a máquina e fui embora do escritório chorando muito. avisei a adriana, que senta ao meu lado e que via

esses aniversários que eu tanto amo

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desde a primeira vez que passei por um aniversário de filho, fico muito emocionada. e a emoção vem em dobro, já que deus achou que só um ariano seria insuficiente para o meu aprendizado como mãe, e então mandou DOIS arianos. em cinco dias, eu passo por dois aniversários de filho. dois bolos, dois tipos de velas, duas comemorações - que têm cada vez menos gente, e eu não acredito quando lembro que já fiz, sozinha, festa para mais de 100 pessoas no parque -, e sentimentos intensos de gratidão e alegria e, maior de todos, incredulidade. criar filhos é ultra divertido, ultra trabalhoso. e ultra inacreditável. porque você sobrevive, e vai vivendo cada vez melhor. quando o joão fez um ano, a gente morava longe de todos os amigos e familiares. então tivemos um bolo, com o joão, o pai dele e eu. o bolo de nozes e maçã, se não me engano, não podia ser comido pelo joão porque ele não tinha dentes suficientes para mastigar os nacos de nozes. e eu olhava praquele guri e devo ter chorado quando

você não precisa ser forte. só bom

eu não aguento esse papo de "ouvir vozes". acho chato, arrogante, e muitas vezes histérico. mas a verdade é que eu não aguento dar conta de escutar o que eu tenho de escutar. e foi assim - ah ah ah, agora vou queimar meu filme -, um dia desses, numa tarefa banal, que é tomar banho, eu escutei a frase. você não precisa ser forte. minha mãe dizia que jesus falava com ela. eu conheço pessoas que dizem que os anjos conversam com elas. eu, um pouco mais descrente, não sei quem é o remetente,. mas eu escutei, e saí do banho aliviada. coisa mais besta passar a vida acreditando que quem é forte é bom. e eu passei anos e anos tendo CERTEZA disso. por isso sempre posei de forte. não falo só dos músculos, o que até seria razoável, porque ter força física faz bem. mas falo de outra força. daquela sobre a qual tomamos conhecimento quando somos crianças, quando começamos a escutar mensagens com doses cavalares de bestialidade: "não foi nada", "não precisa chorar", &q

coraggio, ragazza

eu sabia que eu ia chorar. mas tava demorando tanto. faz uns quatro meses que começamos a falar disso. meu filho queria morar com o pai. ele acabou de ir. e assim que eu me virei pra andar em direção ao portão de entrada do prédio, comecei a chorar. a gente nunca está preparada para a vida - ainda bem, senão o tédio ia ser insuportável. um dos textos que eu mais gosto começa assim: "vossos filhos não são vossos filhos". eu estava grávida do joão, e imagino que era o começo da gravidez quando o meu então médico me entregou, em papel A4, esse texto impresso, do khalil gibran. e desde então gosto de lembrar que meus filhos não são meus, mas do mundo. não vi escorrer uma lágrima dos olhos do joão, e ele tampouco viu escorrer lágrimas dos meus. e quando eu falava pra ele que íamos chorar no dia em que ele se mudasse, ele dizia que eu ia chorar mais do que ele. a primeira vez que a minha filha pediu pra dormir na casa de uma amiga ela tinha 4 anos. a mãe da amiga não deixou. o

todo dia tudo igual

seria muito mais legal entrar no meu carro pra ir pro escritório. mas era o meu rodízio. e eu só poderia sair de carro depois das 10h. mas eu tinha uma reunião às 9h. iria a pé. mas começou a me dar uma aflição - eu chegaria suada ao escritório, e teria de sair de casa rapidinho. andando devagar levo 40 minutos para chegar, muito mais do que os 8 ou 10 minutos que levo de carro. então o táxi seria ótimo. por R$ 12 tava tudo resolvido. mas eu estava LOUCA pra andar. ai ai ai. teria de andar devagar, pra não precisar tomar um banho quando chegasse ao escritório. a mochila iria lotada. dentro dela teria de caber dois potes (um com meu almoço, outro com meu jantar, já que eu iria pra um curso depois do trabalho e não queria comer uma coxinha gorda e deliciosa), a minha bolsa, um agasalho e as minhas sandálias - eu não queria arriscar e andar 40 minutos com umas sandálias novas. e então a mochila ficou cheia. e eu ainda consegui colocar o guarda-chuvas num bolso lateral grande. fui and