sobre a ânsia de nunca (querer) parar

"se a gente não atrapalhar, o corpo se regenera sozinho", escreveu minha tia em uma mensagem para mim.

eu estava de cama havia dois dias. fui nocauteada, literalmente. uma dor de cabeça que durou um dia inteiro. dois dias de trabalho com um certo incômodo. até que num fim de tarde tive de desligar meu computador e deitar. e feito criança, senti um alívio quando, tarde da noite, vomitei.

pronto, era isso. mas não era só isso. dormia e acordava e dormia e acordava com uma inquietação. de madrugada, morta de fome, cortei uma laranja, e me deliciei pensando que era a laranja mais deliciosa que experimentara. mas quando o dia clareou, a laranja também saiu pela boca e eu mudei de ideia.

nenhuma febre, nenhuma dor, exceto de barriga e um pouco na cabeça. quando eu tenho de cuidar de alguém eu me sinto muito tranquila e digo para o enfermo que já vai passar. mas eu não conseguia dizer isso pra mim mesma. dados os sintomas, é claro que eu só tinha vomitado e estava fraca. mas não passava e eu pensava no trabalho que eu não estava executando e em tantas coisas por fazer ó vida ó céus. minha cabeça acelerada, e meu corpo totalmente relaxado. e no meio dos dois, minha aflição de querer ficar boa. 

"melhorou?", perguntavam. sim, eu tinha melhorado. mas seguia deitada. uma amiga que estava passando por algo parecido, mas bem pior, me deu dicas de remédios. e eu pensava "ligo pra minha médica?", mas logo desistia. acabei não ligando, aquietando meus exageros internos de achar que eu estava doente.

na noite em que passei mal eu havia lido um pequeno texto do mestre zen Thich Nhat Nanh intitulado "resting and stopping" (descansando e parando). eu havia separado o livro para ler esse trecho, que eu vou usar em uma aula que darei semana que vem. o texto é curto e fabuloso. começa assim: "quando um animal da floresta está doente, ele se deita e não faz nada". e mais adiante ele escreve o seguinte: "o Buddha disse que se tivermos um machucado no nosso corpo ou na nossa mente, podemos aprender a cuidar de nós mesmos".

depois o texto fala da importância de parar. que estivemos correndo a nossa vida toda pensando que a felicidade e a alegria estão em outro lugar. mas elas estão aqui.

enquanto eu sentia enjoo eu não lembrava de todas essas palavras, mas lembrava que eu tinha de parar. na verdade, eu não tinha de parar, eu já tinha parado. porque o meu corpo desacelerou sem eu ter escolha. ele gentilmente se aquietou para eu me aquietar também.

foi a glória. 


eu estava planejando minhas férias. tudo incerto, e eu pensando em comprar passagens, avisar os amigos que estou chegando. comprando presentinhos de natal, e no meio dos meus dias de profundo desconforto eu fiquei mais enjoada ainda com a ideia de viajar. insights às vezes precisam de um desconforto para chegar. e se eu ficar onde estou? essa foi a luz.

me dei conta de que não viajar poderia ser bem mais divertido do que viajar. e se eu não comprar nenhuma passagem? e se não tiver de calcular datas para chegar, voltar, ver quem eu queria ver, conseguir ir pra praia? alugar um carro é caro. e não liguei na pousada no fim do mundo porque não queria descobrir o valor da diária. 

antes de reclamar que tirar férias é caro, que é um comentário que vem do monstro que mora dentro de mim, eu resolvi tirar férias custo zero. estou achando um luxo. e vou ver como mandar os presentinhos de natal, uns que eu fiz, outros que eu comprei de uma moça que faz.

são dois os alívios: o enjoo que passou e a viagem que não acontecerá.

 



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