sobre o mês de dezembro

 O vento gelado batia e esfriava as partes do meu corpo que estavam descobertas: pernas, mãos, pescoço e cabeça. O relógio do parque marcava 16°C, um grau a mais que a temperatura divulgada pela moça do tempo do rádio, e um a menos do que marcava o termômetro do meu carro desde as 6h30 da manhã.
A volta no parque é grande, e eu fiquei entediada. Quando cheguei no ponto em que eu começaria a corrida, não consegui correr. Muita leveza, muita lerdeza. Sem correr, fui andando meio borocoxô. E fiquei pensando no mês de dezembro.
Fui dizendo muitos nãos ao longo do mês que ainda não terminou. Deixei de ir a uma festa onde encontraria amigos queridos de longa data. Não confirmei uma happy hour no escritório. Não marquei um encontro de amigas na minha casa que até já tinha data reservada. Nem irei jantar com as minhas amigas de infância.
Por um momento fiquei desconfiada que eu tinha virado uma velha ranzinza. Mas quando uma das minhas amigas de infância com quem eu tentava marcar o jantar escreveu em uma mensagem que ODIAVA o mês de dezembro, percebi que os meus “nãos” não estavam vindo de uma velha ranzinza, mas de uma mulher que usa o coração, o corpo e a cabeça quando vai aceitar ou não um encontro com o tema “fim de ano”.
A teoria foi reforçada ontem. Cheguei em casa mais cansada do que o habitual. As pernas doíam, os olhos ardiam. Eu estava triste com as tratativas da volta do meu filho para a minha casa depois do ano letivo passado na casa do pai dele, que fica a pouco mais de 100 km de distância da minha. E andava um pouco atrapalhada com as coisas que vêm com o mês de dezembro: o natal, uma viagem, as contas do mês, as plantas da casa, o dinheiro para a faxineira, as malas, os meus cabelos que estão horrorosos, consultas médicas para filhos que ficam aflitos justo em dezembro, encerramento da escola da minha filha, o forno que quebrou – as coisas da vida como ela é. E ao chegar em casa cansada, triste e atrapalhada, encontro a minha filha afundada no habitual péssimo humor que vem com a adolescência precoce da guria. Então eu decidi que iria dormir. Eram 18h30. E isso não é uma piada.
Durante a longa noite, meu celular tremeu duas vezes. Uma mensagem de uma amiga querida que mora longe, outra do meu filho que sabe que eu durmo cedo mas gosta de se comunicar comigo à meia-noite - para depois pedir desculpas.
Minha amiga e eu nos falamos muito pouco. Uma ou duas vezes por ano. Ou nem isso. E sempre foi assim, desde que nos conhecemos, uns 15 anos atrás. Fui ver a mensagem dela hoje às 5h, quando ainda era escuro e eu vou pra cozinha fazer um chá e preparar o café da manhã da minha pequena família – minha filha e eu, enquanto o meu filho não mora conosco.
“Hoje me peguei sufocada com essa correria de fim de ano, querendo abrir o teto solar pra conseguir respirar melhor.” Ela lembrou do texto que escrevi sobre falta de ar e teto solar, e por isso me mandava essas e mais outras palavras doces. 
Às 5h da manhã eu não mando mensagem nem ligo pra ninguém. E assim acabei esquecendo de responder até o fim do dia. E agora aproveito que cheguei uma hora antes do começo do meu grupo de meditação e termino de escrever este texto, que eu tinha começado a escrever quando saí do parque, depois de não correr.
Andar devagar é um luxo. É maravilhoso sentir-se cansada e dormir às 18h30. É bom saber que às vezes a carga é pesada, mas que podemos deixar uma parte no chão para levar depois – ou não levar nunca mais.
É disso que é feita a vida: de escolhas. E escolher o que é bom e leve é massa.
Que venha 2017.  



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