obrigada, SPTrans, por nos tratar como lixo
estudantes de escolas públicas de São Paulo têm gratuidade no transporte coletivo. eu soube disso no começo deste ano, quando meus dois filhos saíram de escola particular e foram para escolas públicas.
funciona assim: todo mês, carrega-se o bilhete com as cotas determinadas pelo governo. então o aluno pode ir e voltar da escola sem pagar nada. mas as cotas são para ir para a escola, somente. ir ao cinema no sábado? encontrar os amigos no parque no domingo? só pagando a tarifa de R$ 4.
eis que em julho as escolas estaduais tiveram férias de 30 dias, e a municipal onde a minha filha estuda, somente uma semana. e então as cotas do bilhete de ônibus dela terminaram, e eu achei a coisa mais natural do mundo dar a ela o bilhete do irmão, que estava em casa de férias, para ela ir à escola.
esta semana, chegaram em casa duas correspondências da SPTrans para o meu filho. assinada pela gerência de comercialização e prevenção de fraude, as cartinhas, idênticas, informavam que o passe livre do meu filho foi suspenso até o fim do ano por uso indevido "comprovado e registrado por meio de imagem capturada pela câmera instalada no interior do coletivo".
fiquei constrangida. "putz, usei o passe do meu filho", imaginei. com as cartas em mãos, fui até o posto da SPTrans, no centro de São Paulo, que atende TODOS os estudantes da cidade. eram 8h, e uma filha de umas cem pessoas se formava em frente às duas mesinhas onde atendentes fornecem a senha para então você esperar sentado numas cadeiras no fundo do salão.
a fila andava mais rápido do que o meu pessimismo havia calculado. eu ali curiosa para ver se o uso indevido do cartão de estudante do meu filho havia sido feito por mim. quando começo a escutar conversas na fila. "eu perdi a gratuidade e agora não consigo nem carregar a cota de estudante", disse a garota loirinha bem na minha frente para outra que estava atrás de mim. esta, por sua vez, contou alguma história, que ela tinha usado o passe da filha porque tinha saído correndo de casa num determinado dia.
eu, morrendo de vergonha, digo que meu filho perdeu a gratuidade. ao que a moça loira me diz "antes não era assim". foi quando entendi que nunca havia existido essa fiscalização.
eu não estou defendendo uso indevido de passe estudantil. mas fiquei escandalizada quando me dei conta de que possivelmente 90% das pessoas naquela fila que fazia várias voltas estava lá pelo mesmo motivo.
o benefício do passe livre é visto pelo governo como um favor que eles fazem para quem estuda em escola pública. não é visto como um direito para crianças e jovens e adultos. não é visto como uma forma de garantir que pessoas em idade escolar frequentem a escola, independente da distância desta até suas casas.
e já que é um favorzinho do governo, o que foi feito?
1 - a SPTrans instalou câmeras dentro dos ônibus
2 - em nenhum ônibus há avisos de que você está sendo fotografado
3 - ao ser fotografado, você não recebe nenhuma advertência ou multa, e sim uma carta comunicando o cancelamento do favorzinho da gratuidade até o fim do ano
4 - as pessoas, muito constrangidas na fila de atendimento da SPTrans, escutam do atendente da triagem, ao ver a foto da pessoa que cometeu a infração, "o benefício da gratuidade foi cancelado até o fim do ano"
5 - tchau. o aluno terá de pagar 2 reais para ir e outros 2 reais para voltar da escola até o fim do ano. o que dá cerca de R$ 180
quando fui atendida para pegar a senha, já tinha entendido que eu não pegaria senha nenhuma. não tinha conversa. entrego o cartão do meu filho e digo que recebi a cartinha. o rapaz coloca o cartão numa máquina e plim, aparece a foto da minha filha. alívio. eu não tinha roubado o cartão do meu filho para andar de graça de ônibus. era a minha filha, data de julho, indo ou voltando da escola.
"é a minha filha!", digo animada para o rapaz. "ela também é aluna de escola pública, e o passe dela ficou sem cotas. então ela usou o passe do irmão, que estava o mês inteiro de julho de férias."
não pode, me diz o moço. "o MEC libera duas semanas de passe no mês de julho." mas a minha filha teve três semanas de aula, por conta da reposição de aulas perdidas na greve do começo do ano. o atendente deu de ombros.
eu vou pagar o ônibus do João até o fim do ano, e isso não será um problema pra mim. mas isso será um problema para muitas mães que estavam na fila comigo.
sim, nosso comportamento é errado. sim, não devemos nunca usar o passe de outra pessoa, muito menos de pessoas que recebem o favorzinho do governo. mas desde quando começou a fiscalização? e desde quando o benefício passou a ser cancelado sem aviso prévio?
uma sociedade civilizada educa os cidadãos para que eles tenham um comportamento decente. por exemplo, se você jogar lixo na rua você deveria ser multado. se uma calçada está quebrada, o proprietário daquele imóvel deve consertá-la imediatamente para que ninguém caia. se você colocar o seu lixo na calçada antes das 18h, o que é proibido, você também deveria receber uma multa.
mas na cidade onde eu moro, as calçadas têm buracos, as pessoas jogam de tudo no chão, os bares deixam dezenas de sacos pretos na calçada na madrugada de sábado (para serem recolhidos na segunda à noite!). quando o rodízio de carros foi implantando em São Paulo, inúmeras campanhas foram feitas até começarem a multar os infratores - de forma que todos já sabiam as regras quando multas começaram a ser aplicadas. o mesmo com o uso de cinto de segurança, que era uma inovação nas terras brasileiras, onde ninguém jamais usava os cintos, que ficavam enterrados no banco traseiro dos carros por anos e anos.
agora, na cidade onde eu moro, o órgão responsável pela administração do transporte passou a atuar para combater fraudes de uso indevido de bilhete de ônibus de estudante de escola pública, o que é louvável. mas alguém esqueceu de organizar a fiscalização e fazê-la de forma clara, transparente e gentil. e o que vai acontecer com esses alunos que perderam o benefício? eles deixarão de ir para a escola. simples assim.
que força é essa que existe em São Paulo que faz com que muitas vezes andemos para trás???
funciona assim: todo mês, carrega-se o bilhete com as cotas determinadas pelo governo. então o aluno pode ir e voltar da escola sem pagar nada. mas as cotas são para ir para a escola, somente. ir ao cinema no sábado? encontrar os amigos no parque no domingo? só pagando a tarifa de R$ 4.
eis que em julho as escolas estaduais tiveram férias de 30 dias, e a municipal onde a minha filha estuda, somente uma semana. e então as cotas do bilhete de ônibus dela terminaram, e eu achei a coisa mais natural do mundo dar a ela o bilhete do irmão, que estava em casa de férias, para ela ir à escola.
esta semana, chegaram em casa duas correspondências da SPTrans para o meu filho. assinada pela gerência de comercialização e prevenção de fraude, as cartinhas, idênticas, informavam que o passe livre do meu filho foi suspenso até o fim do ano por uso indevido "comprovado e registrado por meio de imagem capturada pela câmera instalada no interior do coletivo".
fiquei constrangida. "putz, usei o passe do meu filho", imaginei. com as cartas em mãos, fui até o posto da SPTrans, no centro de São Paulo, que atende TODOS os estudantes da cidade. eram 8h, e uma filha de umas cem pessoas se formava em frente às duas mesinhas onde atendentes fornecem a senha para então você esperar sentado numas cadeiras no fundo do salão.
simpática fila no posto da SPTRans por volta das 8h30 do dia 9/8 |
a fila andava mais rápido do que o meu pessimismo havia calculado. eu ali curiosa para ver se o uso indevido do cartão de estudante do meu filho havia sido feito por mim. quando começo a escutar conversas na fila. "eu perdi a gratuidade e agora não consigo nem carregar a cota de estudante", disse a garota loirinha bem na minha frente para outra que estava atrás de mim. esta, por sua vez, contou alguma história, que ela tinha usado o passe da filha porque tinha saído correndo de casa num determinado dia.
eu, morrendo de vergonha, digo que meu filho perdeu a gratuidade. ao que a moça loira me diz "antes não era assim". foi quando entendi que nunca havia existido essa fiscalização.
eu não estou defendendo uso indevido de passe estudantil. mas fiquei escandalizada quando me dei conta de que possivelmente 90% das pessoas naquela fila que fazia várias voltas estava lá pelo mesmo motivo.
cartinha enviada comunicando o fim do passe livre do João |
o benefício do passe livre é visto pelo governo como um favor que eles fazem para quem estuda em escola pública. não é visto como um direito para crianças e jovens e adultos. não é visto como uma forma de garantir que pessoas em idade escolar frequentem a escola, independente da distância desta até suas casas.
e já que é um favorzinho do governo, o que foi feito?
1 - a SPTrans instalou câmeras dentro dos ônibus
2 - em nenhum ônibus há avisos de que você está sendo fotografado
3 - ao ser fotografado, você não recebe nenhuma advertência ou multa, e sim uma carta comunicando o cancelamento do favorzinho da gratuidade até o fim do ano
4 - as pessoas, muito constrangidas na fila de atendimento da SPTrans, escutam do atendente da triagem, ao ver a foto da pessoa que cometeu a infração, "o benefício da gratuidade foi cancelado até o fim do ano"
5 - tchau. o aluno terá de pagar 2 reais para ir e outros 2 reais para voltar da escola até o fim do ano. o que dá cerca de R$ 180
quando fui atendida para pegar a senha, já tinha entendido que eu não pegaria senha nenhuma. não tinha conversa. entrego o cartão do meu filho e digo que recebi a cartinha. o rapaz coloca o cartão numa máquina e plim, aparece a foto da minha filha. alívio. eu não tinha roubado o cartão do meu filho para andar de graça de ônibus. era a minha filha, data de julho, indo ou voltando da escola.
"é a minha filha!", digo animada para o rapaz. "ela também é aluna de escola pública, e o passe dela ficou sem cotas. então ela usou o passe do irmão, que estava o mês inteiro de julho de férias."
não pode, me diz o moço. "o MEC libera duas semanas de passe no mês de julho." mas a minha filha teve três semanas de aula, por conta da reposição de aulas perdidas na greve do começo do ano. o atendente deu de ombros.
bilhetinho com orientações disponível na mesa da triagem para senha |
eu vou pagar o ônibus do João até o fim do ano, e isso não será um problema pra mim. mas isso será um problema para muitas mães que estavam na fila comigo.
sim, nosso comportamento é errado. sim, não devemos nunca usar o passe de outra pessoa, muito menos de pessoas que recebem o favorzinho do governo. mas desde quando começou a fiscalização? e desde quando o benefício passou a ser cancelado sem aviso prévio?
uma sociedade civilizada educa os cidadãos para que eles tenham um comportamento decente. por exemplo, se você jogar lixo na rua você deveria ser multado. se uma calçada está quebrada, o proprietário daquele imóvel deve consertá-la imediatamente para que ninguém caia. se você colocar o seu lixo na calçada antes das 18h, o que é proibido, você também deveria receber uma multa.
mas na cidade onde eu moro, as calçadas têm buracos, as pessoas jogam de tudo no chão, os bares deixam dezenas de sacos pretos na calçada na madrugada de sábado (para serem recolhidos na segunda à noite!). quando o rodízio de carros foi implantando em São Paulo, inúmeras campanhas foram feitas até começarem a multar os infratores - de forma que todos já sabiam as regras quando multas começaram a ser aplicadas. o mesmo com o uso de cinto de segurança, que era uma inovação nas terras brasileiras, onde ninguém jamais usava os cintos, que ficavam enterrados no banco traseiro dos carros por anos e anos.
agora, na cidade onde eu moro, o órgão responsável pela administração do transporte passou a atuar para combater fraudes de uso indevido de bilhete de ônibus de estudante de escola pública, o que é louvável. mas alguém esqueceu de organizar a fiscalização e fazê-la de forma clara, transparente e gentil. e o que vai acontecer com esses alunos que perderam o benefício? eles deixarão de ir para a escola. simples assim.
que força é essa que existe em São Paulo que faz com que muitas vezes andemos para trás???
Olá, meu bilhete foi suspenso da mesma forma, você só conseguiu resolver no outro ano mesmo?
ResponderExcluirsim, Joana. a menos que você prove que você usou um bilhete pago na mesma hora em que outra pessoa usava o seu por engano. mas no meu caso, em que minha filha que é aluna de escola pública usou o bilhete do irmão que também era aluno de escola pública, o benefício da gratuidade dele foi cancelado. e ele passou a usar o bilhete de estudante, pagando 50% do valor da passagem.
Excluire sor ir na defensoria publica
ResponderExcluirpuxa, não tinha pensado nisso. obrigada! excelente. fica pra próxima. :))
ExcluirConseguiu algo na defensoria?
Excluirmeu filho não é mais aluno de escola pública. e foi ele que havia perdido o direito ao uso do bilhete...
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