que falta faz uma mãe

senti um alívio quando amauri saiu da estradinha com curvas assustadoras e pegou a SP-050, monteiro lobato, com curvas um pouco menos assustadoras, rumo a campos do jordão. eu estava saindo do meu refúgio do meio do mato resgatada por uma rede de amigos.
tínhamos chegado dois dias antes, minha filha e eu. convidamos uma amiga da lívia, mas, com caxumba, ela não pôde ir. lívia tinha ficado boa da caxumba tinha uma semana.
eu estava contente. ia passar o fim do ano no meio do mato. enchi o porta-malas de comidas e bebidas - muito de ambos. eu tinha alugado um chalé/quarto, sem sala. mas um dia antes da nossa ida, oskar me liga pra dizer que a casa da onça, essa com sala e cozinha, estava desocupada, e eu poderia ficar nela.
foi a nossa escolha, quando chegamos e solange, a caseira, nos mostrou as duas opções de hospedagem.

livia aproveita e se joga na rede

nossa primeira refeição, quando começou a chover
no meio do mato a noite é mais escura. como chovia, nem ficamos olhando o escuro. só pela janela. um escuro que é estranho, porque não estamos acostumados. os bichos faziam uns barulhos e eu me confundia - quem estava fazendo qual barulho? tinha os cavalos, as galinhas, os cachorros e muitos pássaros, uns pequenos e outros gigantes, maiores que uma galinha.
alegria. eu estava realizada. como é preciso de pouco pra ficar contente. eu fui pro mato pensando em dormir, meditar e trabalhar nuns escritos meus. lívia tinha levado três livros, e depois do retiro com a mãe iria passar dez dias na casa do pai, no meio do mato também, mas com muita gente ao redor. levamos também biquinis, shorts e tênis de caminhada, para fazermos incursões no mato, tomarmos banho de cachoeira e ficarmos deitadas no sol, lendo ou dormindo ou fazendo nada.
fazia frio e fomos dormir de pijama comprido. mais dois cobertores. delícia sair do calor asfixiante e chegar no mato, onde é fresco.
fomos dormir cedo, para não dormirmos até o meio-dia no outro dia - lívia protestou, porque segundo ela férias são para dormir a hora que der vontade, e não quando a mãe manda. eu acordei, acho que umas 4h, pra ir ao banheiro, e senti uma dor na garganta. coloquei a mão, e soube que era caxumba. me olhei no espelho, e tive certeza. voltei pra cama e dormi. a caxumba começa com inchaço e incômodo. a dor tenebrosa vem depois.
acordei antes da lívia, e fui trabalhar nos meus textos, fazendo de conta que tava tudo bem e esperando um horário civilizado para mandar uma mensagem para a pediatra da lívia, pra checar meu diagnóstico e saber das recomendações: podia andar? e tomar sol? vinho, pode?
não, nada podia. repouso absoluto por dez dias. zero grama de álcool.
ah, que ótimo. eu tinha levado cervejas, vinhos tinto e rosé, quatro garrafas de espumante para o ano novo, quando meus amigos que tinham me indicado o sítio e o dono do lugar estariam lá também.
confirmado o diagnóstico, mandei uma mensagem pra minha amiga, cuja família viria pro meio do mato dali a dois dias. a filha seguia inchada, e agora o marido estava com febre e passando mal. podia ser caxumba.
entre um ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh e outro ah ah ah via whatsapp, tentamos achar engraçado o que não tinha graça nenhuma. assim que minha filha e eu chegamos, eu tinha falado para o meu land lord, oskar, que a laurinha não tinha vindo pra campos comigo porque tinha pegado caxumba do outro lado, blá blá blá, ele disse que nem ele nem os três filhos dele tinham tido caxumba. mas nem passava pela minha cabeça que claiton e eu, no dia seguinte, estaríamos acometidos do mesmo mal.

caxumba é sexy

a room with a view - vista da minha mesa de trabalho

carteado

a dor não é horrível de dia. nem a febre. só à noite. e então, na minha primeira noite como caxumbenta, acordei às 4h com muita, muita dor. andei pela casa, rezei, chorei, sentei na cama e tentei rezar. entre uma coisa e outra, tomei um remédio pra dor daqueles que todo mundo toma menos eu. então uma dose infantil foi suficiente. mas até passar, eu só queria uma mãe ao meu lado segurando a minha mão e dizendo que a dor ia passar.
mas não tinha mãe, e lá fora tinha um mato escuro e silencioso.
fiz um chá de camomila quando lembrei que uma amiga tinha feito compressa gelada de chá de camomila para aliviar a dor do filho - até ontem, oito crianças da sala da minha filha tinham pegado. mas havia mais dois ou três com suspeita, e dois pais, claiton e eu, já com a peste.
remédios funcionam. a dor passou, e eu adormeci.
minha filha gostou de me chamar de caxumbenta, que era como eu a tinha chamado nos quase 15 dias de repouso dela (ela pegou dos dois lados, o que é uma glória, porque ela se livra de outras futuras caxumbas). e eu disse pra ela que toda vez que eu dissesse que tava doendo, ela diria "vai passar". mas ela é filha, e não mãe, e não tinha nada que dizer isso, e não disse.
acordar depois de uma noite mal dormida por causa de dor é miserável. e assim eu pensei que era hora de ir embora, três ou quarto dias antes do que eu tinha pensado. e assim o pai da lívia foi buscá-la, e a dori pegou um busão - um táxi da granja até uma estação de metrô, um metrô até a rodoviária, um busão até campos - e foi me buscar.
oskar armou com os caseiros de me levarem até o portal, na entrada da cidade. e lá fomos nós, eu me sentindo uma inválida por não poder colocar meu carregamento de comida e bebida de volta no porta-malas e não poder dirigir. amauri dirigia o meu carro veloz e certeiro. eu ia ao lado dele bem quietinha (tentei, mas não consegui) porque ele nunca teve caxumba e eu não podia babar em cima dele que isso o contaminaria.
chegando ao portal de campos, dori nos esperava, feliz da vida.

foto prova o que eu disse: dori feliz da vida, para o meu resgate
 a viagem foi tranquila. não pegamos trânsito. a estrada estava vazia. e a gente conversou e eu cansei. demos muita risada - e a dori disse que tinha adorado ir de ônibus até campos. sim, ela disse isso, e eu tirei outra foto porque eu não podia acreditar no que estava ouvindo.

dori gargalha depois de contar que ADOROU o busão
pessoas com caxumba não podem carregar peso. então eu segurei a porta do elevador enquanto a dori colocou tudo pra dentro, e depois segurei novamente quando ela tirou tudo.
o táxi chegou em 2 minutos. e eu fui pra cama. como é bom estar em casa, e como é bom sentir que temos muitas mães pra cuidar da gente - até uma listinha de compras eu já fiz, porque minhas maçãs e as romãs do ano novo acabarão até amanhã!


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