o farol fechado e a pedestre boba (e feliz)

Tem uma frase do mestre zen Thich Nhat Hanh que questiona por que estamos sempre correndo. É algo como “todos seremos enterrados quando morrermos, então pra que você corre?” As pessoas que sabem que não devemos correr sempre questionam: por que você está correndo? Onde pretende chegar?
A frase me veio à cabeça durante o trajeto que estou fazendo, a pé, da minha casa até a redação da revista onde estou trabalhando por duas semanas. Como o tempo que eu levo de ônibus é igual ou superior ao tempo que eu levo se for andando, e como eu tenho um punhado de quilos que acumulei nos último anos e dos quais quero muito me livrar, decidi andar.
Vou pelo caminho mais barulhento, mas mais tranquilo para pedestres. A avenida é larga e tomada de carros, e as calçadas também são largas e tomadas de gente apressada.
No dia em que assisti a um vídeo sobre como fazer pedestres parar na hora de atravessar a rua, senti um grande alívio. O vídeo contava uma história (tipo uma dança que aparecia no farol para pedestres, para que eles ficassem interessados e de fato parassem quando o farol estava fechado para eles) que aconteceu em algum lugar da Europa, e eu pensei ufa!, não parar para atravessar a rua não é uma exclusividade brasileira.
Na condição de motorista e pedestre e ciclista e mãe, eu sempre paro no meio-fio e para só atravessar quando o farol para carros fechou. Mas eu sou uma anomalia. Uma espécie de idiota, um cidadão que deve gerar muita desconfiança nos que passam por mim. A cena, eu concordo, é patética. Nenhum carro passando nem à direita nem à esquerda, e hordas de pedestres atravessando a rua com passos rápidos, enquanto eu me encosto num poste de placa de trânsito e espero o sinal vermelho aparecer para os carros. Claro que eu faço isso porque eu acredito que se pedestres e motoristas respeitarem os sinais verdes e vermelhos, não haverá atropelamentos.

Farol maluco entre as ruas Bandeira Paulista e Pedroso Alvarenga,em São Paulo

Eu não me importo de parecer uma boba. Ou melhor, eu me importo, mas muito pouco. Mas nesses dias de caminhadas diárias, eu comecei a sentir uma alegria refrescante quando me encosto no poste das placas de trânsito e espero. É um momento precioso de não pressa. Digo isso porque sou rápida, agitada e excessivamente extrovertida. Então parar, por mais rapidinho que seja, acabou se transformando em um presente.
Claro que isso não é uma novidade. Já tem uns anos que eu comecei a apreciar muito chegar a um compromisso com antecedência ou esperar por alguém que está atrasado. É um bom momento para parar, literalmente, de fazer qualquer coisa, já que você agendou aquela hora para fazer alguma coisa, mas essa coisa ainda não está rolando. Então, gloriosamente, é o momento em que não há NADA para fazer.
Mas sentir a alegria de não ter NADA para fazer na esquina de cruzamentos ruidosos, com motoristas nervosos e pedestres apressados, é novo.
Acho que melhor do que dizer que é bom é sugerir que cada um prove pra ver como é. Na próxima vez que você estiver andando, quando o farol para pedestres estiver fechado, pare na calçada e espere o farol abrir, independentemente da ausência de carros passando na rua naquela hora.
Agora, quando vou para o trabalho ou quando volto pra casa, paro com grande alegria em toda rua que tenho de atravessar. Além de sentir o vento batendo no meu rosto, sinto um contentamento por conseguir parar por alguns instantes. O que é sempre um desafio para uma pessoa frenética/acelerada como eu. 
E para encerrar, mais Thich Nhat Hanh: "se você pensa que a paz e a felicidade estão em outro lugar e você corre atrás delas, nunca chegará. somente quando você perceber que a paz e a felicidade estão disponíveis aqui, no momento atual, será capaz de relaxar. na vida diária, há muito que fazer e muito tempo. você pode sentir-se pressionado a correr o tempo todo. pare! toque profundamente o chão do momento atual e experimentará a verdadeira paz e alegria".
Um viva para os faróis. Para todos os faróis. 

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