o filho que volta

ele voltou.
na minha casa, acordamos cedo todos os dias da semana. as escolas dos meus filhos não ficam longe de casa, mas eu gosto de fazer tudo lentamente, principalmente ao acordar, e meus filhos não são do tipo "a mãe chamou e todos estão fora da cama", como era na casa dos meus pais. o velho nem chegava perto da gente, eu acho. ele só acendia a luz e dizia algo como "tá na hora". quem não saísse da cama perdia a carona e pronto. jamais perdemos.
hoje não foi diferente. o despertador tocou um pouco antes das 5h. eu me atrapalhei na hora de desligar, porque troquei de lado o criado-mudo ontem e estou com a sensação de que tenho um novo quarto, desconhecido. fiz minhas preces diárias e fui acordar as crianças que não são mais crianças.
quando abri a porta do quarto deles, sabia que ia sentir o cheiro da casa cheia, da casa com todo mundo dentro, da casa com o joão e com a lívia.


meu filho saiu de casa pela primeira vez aos 14 anos. foi morar com o pai, a madrasta e a irmã a uns 100 km da nossa casa, ou a duas horas de ônibus, sem contar o metrô para chegar da rodoviária. eu dizia na época que 14 anos é uma idade insuficiente pra um filho sair de casa. achava que ele tinha de ir morar com o pai, para ver como era, mas também achava que ele era jovem demais para sair de casa. um ano depois ele voltou. o coração cheio de novos sentimentos e ele cheio de novas percepções. foi maravilhoso para todo mundo. não no sentido de perfeito, mas no sentido de preenchedor (fulfilling, eu diria, mas não sei como dizer em português com esse sentido).
passados dois anos, ele saiu de casa outra vez. não queria morar longe de são paulo, então foi pra casa da avó paterna, que mora num bairro central de são paulo, de onde é simples sair andando e pegar metrô ou ônibus. ele queria morar com a avó até terminar a faculdade. todos acharam a ideia boa. a avó, o meu filho, a minha filha, eu e o pai deles. mas sendo ou não uma boa ideia, não durou todos os anos esperados. durou um pouco menos de 30 dias.
eu fiquei pensando que tinha sido uma estupidez da minha parte achar que ia dar certo. mas a verdade é que deu certo e durou o tempo que tinha durar. como é duro e lento esse aprendizado, de que as coisas têm o seu próprio tempo e não o tempo que EU imagino/fantasio/desejo para elas.
ontem o joão voltou. ele demorou para tomar a decisão. eu sabia que era bom ele voltar. mas ele não tinha certeza - e não sei se já tem ou se está aqui porque não havia outra possibilidade.
ele disse que voltaria depois da escola. mas não disse o horário. tinha de pegar a mala e eu pensei que isso demoraria um pouco. eu não queria ficar esperando por ele. então fui ver um episódio da linda série chef's table. a campainha tocou e eu fui abrir. filhos gostam de tocar a campainha em vez de usar a chave que carregam na mochila.
eu estava meio sem jeito. eu entendo o meu filho achar um saco morar comigo, porque eu também achava um saco morar com a minha mãe. por isso que assim que fiz 18 anos dei um jeito de arranjar um trabalho e arrumar um apartamento. sair da casa dos pais é absolutamente libertador, e criar nossos filhos ensinando isso a eles também é absolutamente libertador.
hoje cedo eu andava feito uma mosca tonta pela cozinha. eu já tinha tomado café, e estava esperando meus filhos tomarem café e saírem para a escola. mas eu estava tão feliz que não sabia o que fazer. queria dizer ao joão que ele era bem-vindo de volta, mas não queria sufocá-lo com a alegria desenfreada de mãe. disse algo baixinho para ele, e devagar. estou muito feliz que você está aqui, acho que foi o que eu disse.
a gente precisa de espaço. "nossa fome essencial não é por alimento, mas por intimidade*." mas intimidade de verdade tem espaço. tem conexão e tem ar também. o amor de verdade não sufoca, mas liberta. deixa a gente feliz e livre. e foi isso o que eu aprendi nesses poucos dias em que o joão morou fora de casa pela segunda vez.   



*Jan Chozen Bays em "como domar um elefante"

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