"a vida é uma luta permanente, com avanços e retrocessos"

tudo o que eu aprendi sobre alegria, resiliência, não julgamento e fé está de férias.
fui andar para sentir no corpo o prazer de suar e esticar os músculos que todos os dias eu esqueço que tenho. mas não andei. eu me arrestei feito uma lesma infeliz pelas calçadas limpíssimas do bairro onde moro.
uma senhora preta mas bem pretinha lavava o telhado de vidro da garagem de uma casa. ela estava debruçada sobre a janela aberta, onde imagino que seja o seu quarto, e segurava uma mangueira com a qual ia lavando o vidro que estava na frente e um pouco abaixo da janela. ela usava uma touca de lã justa na cabeça. cruzando a pracinha onde eu corro, mas por onde hoje eu só passei me arrastando, outra senhora de uniforme de empregada doméstica (aqueles vestidos de algodão abotoados na frente, com um avental combinando amarrado na cintura) e sandálias havaianas novinhas brancas com solado azul-calcinha varria a calçada e a entrada da garagem de outra casa. eram cerca de 7h. 
eu ia andando e olhando pras pessoas por quem eu passava em busca de sinais de alegria ou de uma cavalar depressão, mas não consegui ver nem uma coisa nem outra. ia andando e me dando conta do quão cafona é esse brasil. 
até ontem, dia de votar, eu dizia com a maior cara de paisagem que cada um pode escolher o candidato que quiser, afinal as pessoas são livres e vivemos em uma democracia e blá blá blá. mas ontem, quando cheguei em casa e me sentei para tomar uma taça de vinho tinto e chorar, e minha filha me contou que um dos amigos dela estava comemorando a eleição do novo presidente da bananaland, eu pensei que não estou disposta a convidar para a minha casa pessoas que não gostam de índios nem de pretos nem de mulheres.  
lembrando de todas as piadas que me fizeram rir entre o primeiro turno das eleições e ontem, fico perplexa pensando que eu devia estar rindo de boba. não estou achando nada engraçado.
o pensamento mais fácil - e pra pensar não é preciso pagar nada - foi uma viagem idílica pra qualquer lugar. ah-que-delícia-descansar-longe-de-casa. isso durou talvez uns 5 segundos, e antes de eu voltar pro corpo e me lembrar que estou sem trabalho e, portanto, sem ganhar dinheiro, lembrei que viajar para deixar a tristeza em casa não funciona.
eu tinha 20 e poucos anos e namorava um colega com quem trabalhava na folha de s. paulo quando fomos tirar longas férias na bahia. felicíssima, não coloquei na mala meu caderno de sonhos nem nenhum outro caderno. "vou tirar férias", deve ter sido o que pensei uns 20 anos atrás. pois bastaram umas duas noites de férias com sonhos intensos pra eu procurar numa bodega um caderninho vagabundo. foi naquela época, em que eu era mais jovem mais magra e mais boba, que aprendi que quando viajamos levamos o que escolhemos, como as roupas na mala, e o que não escolhemos, como nossos monstros internos e nossos sonhos incompreensíveis.
não adianta viajar, não adianta fugir. fico aqui nesta cidade cinza, neste país que eu adoro e que é mais cafona hoje do que nunca, pensando em como vou resgatar a alegria, a resiliência, o não julgamento e a fé.



serão necessários muitos amigos, muitos mates, muitos cafés, muitos jantares e muito romance nos próximos dias, semanas, meses. e a leitura diária das palavras abaixo, do paco urondo, maravilhoso. 
ps - o título é uma frase do pepe mujica.
...


Instruções para esquivar o mau tempo

Em primeiro lugar, não se desespere e em caso de agitação não siga as regras que o furacão quererá lhe impor.
Refugie-se em casa e feche as trancas quando todos os seus estiverem a salvo.
Compartilhe o mate e a conversa com os companheiros, os beijos furtivos e as noites clandestinas com quem lhe assegure ternura.
Não deixe que a estupidez se imponha.
Defenda-se.
Contra a estética, ética.
Esteja sempre atento.
Não lhes bastará empobrecê-lo, e quererão subjugá-lo com sua própria tristeza.
Ria ostensivamente.
Tire sarro: a direita é mal comida.
Será imprescindível jantar juntos a cada dia até que a tormenta passe.
São coisas simples, mas nem por isso menos eficazes.
Diga para o lado bom dia, por favor e obrigado.
E tomar no cu quando o solicitem de cima.
Dê tudo o que tiver, mas nunca sozinho.
Eles sabem como emboscá-lo na solidão desprevenida de uma tarde.
Lembre que os artistas serão sempre nossos.
E o esquecimento será feroz com o bando de impostores que os acompanha.
Tudo vai ficar bem se você me ouvir.
Sobreviveremos novamente, estamos maduros.
Cuidemos dos garotos, que eles quererão podar.
Só é preciso se munir bem e não amesquinhar amabilidades.
Devemos ter à mão os poemas indispensáveis, o vinho tinto e o violão.
Sorrir aos nossos pais como vacina contra a angústia diária.
Ser piedosos com os amigos.
Não confundir os ingênuos com os traidores.
E, mesmo com estes, ter o perdão fácil quando voltarem com as ilusões acabadas.
Aqui ninguém sobra.
E, isto sim, ser perseverantes e tenazes, escrever religiosamente todos os dias, todas as tardes, todas as noites.
Ainda sustentados em teimosias se a fé desmoronar.
Nisso, não haverá trégua para ninguém.
A poesia dói nesses filhos da puta.
Paco Urondo (1930 – 1976) foi escritor, jornalista, poeta, militante político e guerrilheiro argentino. 

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