o carnaval, a obra, o bolo e o não fazer nada

sento em uma das cadeiras da cozinha, enquanto o bolo assa no forno e os panos de prato são lavados pela minha eficiente máquina de lavar roupas.
os homens da obra da esquina estão trabalhando hoje. vai ver os donos da construtora são de blumenau (santa catarina), onde os descendentes dos alemães que chegaram nessas terras uns 100 anos atrás simplesmente ignoram o carnaval. ou são de caxias do sul (rio grande do sul), onde os descendentes dos italianos que vieram pra cá mais ou menos na mesma época que os alemães tampouco consideram a celebração do carnaval - e eu estou falando da terça-feira de carnaval, não dos 15 dias que antecedem este feriado que não é feriado oficial nem da semana posterior a hoje.
a obra da esquina sobe rapidamente, e um elevador vermelho carrega homens e materiais de construção obra acima e obra abaixo. 



eu me sentei para parar. frequentemente eu passo dias sem me sentar para parar. não é para almoçar, tomar um café, jantar. não é para ver um filme, abrir meu computador e trabalhar. assistir uma aula do meu professor, que ele gentilmente grava e sobe no YouTube seus ensinamentos. é para fazer nada.
as muitas coisas da minha vida sempre parecem gritar histericamente para mim que são muito importantes, enquanto as coisas que eu quero fazer, mas não são obrigações que vêm com multas e juros diários, parecem crianças tímidas que em vez de falar, sussurram. 
então a casa está sempre mais arrumada e limpa do que o contrário. as roupas estão sempre lavadas ou sendo lavadas. a geladeira tem verduras, o armário tem arroz e feijão. as faturas dos cartões são pagas em dia, assim como as contas de luz, gás e telefones. mas eu não faço bolo todos os dias, nem torro sementes de girassol com gergelim. eu não me sento na grande mesa da cozinha para olhar da janela o belo elevador vermelho da obra carregando homens fortes e de capacete. eu não converso com os meus amigos de quem estou com saudades. eu não fecho a porta do meu quarto para sentar sobre a almofada de meditação por 40 minutos quando já está quase na hora do almoço.



o carnaval segue alegre nesta cidade cinza, cujas calçadas têm cheiro de banheiros que jamais são limpos, cujas ruas têm cacos de vidro e garrafas que dariam para fazer uma bela obra de arte. há bloquinhos e blocões e toda zona dos arredores sumiu - decidiram que era muito perigoso blocos que reúnem milhares de pessoas no largo da batata seguirem fazendo festa por aqui. então os blocos foram removidos para umas dez quadras pra cima, onde minha filha me diz que está bem tranquilo.
eu adoro carnaval, apesar de a cidade se transformar num cenário pós guerra toda noite. e eu não vou ficar reclamando como em outros anos. fomos a um bloco lindo no centro - onde foi difícil de chegar, sem ônibus circulando, com muito lixo, moradores de rua que dormem sob marquises (dezenas deles), malucos de crack andando de um lado pro outro, e eu me sentindo uma forasteira enquanto andava rápido e apertava a mão da minha filha. o bloco afro ilu oba de min era como uma miragem. mais de 400 mulheres tocando e cantando. e não sei quantas pessoas ao redor do bloco, que também cantavam e dançavam. um bloco de verdade, uma coisa linda. minha filha só foi porque uma amiga integra o bloco. e depois de ir, claro, ela achou lindo.


eu, que achava que ia fazer "muitas coisas" neste feriado gigantesco em que não saí da cidade por conta justamente do carnaval - "mãe, eu vou aos blocos", me lembrou a minha filha quando eu perguntei aos meus filhos o que achavam de nos refugiarmos no mato por quatro ou cinco dias -, fiz uma coisa que é a mais importante de todas. não fazer nada.
tudo bem, está sendo por um tempo curto, mas isso é melhor que nada.
tem um verso lindo nas preces que eu faço de manhã cedo, quando o sol ainda não acordou.
"frequently I pause
mindfully I breath
simplicity, openess, clarity, conexion and caring
flowering forth"
pra mim ainda é uma incógnita por que as coisas mais simples parecem as mais difíceis e por que são sempre as que estão mais longe quando quero alcançar qualquer coisa.
...



receita do bolo preto
(o bolo foi feito com o que tinha no armário. deu certo. isso quer dizer que pode-se trocar todos os ingredientes por outros similares. e a receita não leva ovo. pra quem gosta, pode colocar dois ou três. mas não precisa)

1 xic de açúcar de coco 
1 vidro de leite de coco
1/2 xíc de água quente
1/2 xíc de óleo
1 xíc de farinha de trigo integral
1 xic de aveia
1 colher de chá de fermento
1 colher de chá de bicarbonato
um punhado de amêndoas inteiras
2 colheres de sopa de rum
1 colher de sopa de canela
1/2 xic de cacau

   

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

a minha longa história com o dr. kong

obrigada, SPTrans, por nos tratar como lixo

sobre a ânsia de nunca (querer) parar